Wednesday, 16 July 2008
Friday, 27 June 2008
Teste Terça-Feira 08h00 e mudança de salas
Wednesday, 25 June 2008
Racismo em Huckleberry Finn de Mark Twain (post de Diogo Matos)
A obra de Mark Twain é considerada por muitos como o melhor artefacto literário americano de sempre. As estatísticas dizem que apenas Shakespeare é usado mais frequentemente nas salas de aula.
Repleto de sátira, aventura juvenil (podemos dizer que é uma obra de formação ou "coming of age") podemos encontrar no coração de Huckleberry Finn uma história sobre a relação entre um escravo e um rapaz. Apesar desta relação que aparenta passar uma mensagem anti-racista, o livro foi criticado por afro-americanos, o que até pode ser compreensível, pois a imagem que obtemos de Jim, o escravo, é algo básica devido a ser descrito como alguém algo básico, do ponto de vista intelectual. No entanto, quem nos dá esta descrição é um rapaz que foi criado por indivíduos extremamente racistas, e há que ter isso em conta. Para além disso, todos os escravos no Sul dos Estados Unidos estavam proibidos de obter educação. Há, portanto, que admitir que o retrato de Jim por Twain é realista.
Temos o exemplo do pai de Huck que se considera superior a um professor negro simplesmente pela sua cor de pele, uma cena que surge aquando da possibilidade de ser atribuído a este negro direito de votar.
Numa altura em que existia um grande ódio contra os negros por parte da América branca, Mark Twain criou uma história sobre a busca da liberdade. Não reconhecer isto e considerar que é uma obra racista demonstra na minha opinião uma mente fechada e intransigência.
Monday, 23 June 2008
Dickinson, "Hope is a Thing With Feathers" (post de Rita Dias)
That perches in the soul,
And sings the tune--without the words,
And never stops at all,
And sweetest in the Gale is heard;
And sore must be the Storm
That could abash the little Bird
That kept so many warm.
I've heard it in the chillest land,
And on the strangest Sea;
Yet, never, in Extremity,
It asked a crumb of Me.
Em primeiro lugar, a esperança é “a coisa” uma vez que se trata de um sentimento; a coisa/sentimento (esperança) assemelha-se a um passáro que que se empoleira na nossa alma e canta, sem nunca parar… É um sentimento que não se esgota, vive sempre connosco.
Em segundo lugar (tendo em conta que a metáfora do pássaro é usada para definir a esperança e, logo, tudo o que é dito em relação ao pássaro aplica-se
à esperança), a poetisa dá-nos a ideia de que o canto da ave é mais doce quando nos encontramos perdidos, no meio da tempestade. Será que se o pássaro for abalado a esperança individual também é?
Em terceiro lugar, entendemos que o pássaro/esperança nos “protege” nos momentos mais difíceis, quando nos achamos perdidos e que nada pede em troca, nem uma migalha.
Na minha opinião, esta é uma possível interpretação do poema de Emily Dickinson, tendo em conta a sua personalidade solitária – estes parecem ser pensamentos de quem muitas vezes se sentiu só, estando, contudo, acompanhada pela esperança.
Emily Dickinson (1830-1886) (post de Rita Dias)
Emily Dickinson, nome forte da poesia Americana, nasceu no seio de uma família abastada, tendo a casa onde nasceu o nome de “The Homestead”. Era segunda filha de Edward e Emily Norcross Dickinson, e o seu avô exercia advocacia. Foi desde cedo habituada a uma educação escolar prestigiada, chegando a cursar, durante um ano, o South Hadley Female Seminary.
Emily foi apelidada de “Grande Reclusa” uma vez que a sua personalidade era vincadamente solitária (nunca casou, à semelhança da sua irmã, Lavinia). Este comportamento solitário identifica-se, no entanto, com o modelo de conduta feminina que era apregoado no Massachusetts de Oitocentos.
Nos seus cinquenta e seis anos de vida, fez apenas três viagens para fora da sua cidade natal, sendo que numa delas foi onde conheceu dois homens que marcaram e serviram de inspiração para a sua obra poética: Charles Wadsworth e Thomas Wentworth Higginson. Foi em Filadélfia que Emily conheceu Wadsworth, um clérigo de quarenta e um anos, ao qual alguns críticos crêem ser endereçados os poemas de amor que escreveu.
Pouco ou nada se sabe claramente sobre a vida da poetisa, sendo a pouca informação existente proveniente das cartas trocadas com nomes como Susan Dickinson, que era sua cunhada e vizinha, colegas de escola, familiares e alguns intelectuais como Samuel Bowles, o Dr. e a Mrs. J. G. Holland, T. W. Higginson e Helen Hunt Jackson.
Estima-se que a sua obra poética chegue aos 1800 poemas e cerca de 1000 cartas, sendo que de 1860 a 1870 foi o período mais intenso de escrita da poetisa.
Emily morre em 1886, Amherst, Massachusetts, sua terra-natal.
Saturday, 21 June 2008
Emily Dickinson, "I know that He exists"
Wednesday, 18 June 2008
Introdução a "Song of Myself" (post de Alexandra Serafim)
“ Song of Myself ”
“Song of Myself “ foi o primeiro de doze poemas, sem título, que constítuiam a primeira edição de Leaves of Grass em 1855. Em 1856, a obra de Walt Whitman, Leaves of Grass , foi re-editada com algumas alterações, passando o poema em questão a intítular-se de “ Poem of Walt Whitman, an American “. Nas edições de 1860, 1867 e 1871 tinha como titulo “ Walt Whitman “ e só na sua última edição, em 1881, adoptou o título pelo qual o conhecemos hoje em dia, “Song of Myself “.
Constituído por 52 secções, “ Song of Myself “ foi um poema revolucionário para a sua época. Pela sua forma, linguagem e temas verificam-se vários tipos de influências. Assim, existe quem refira que é um poema Keatsiano ou, por outro lado, identificam-o como sendo um par de Emerson. Certo é, que ambas as crenças estão certas, visto encontrar-mos ao longo do poema vestígios destes dois grandes artistas. O Transcendentalismo, o Romantismo e, até, uma espécie de Realismo (pois o Realismo só surge mais tarde na literatura do Pós- Guerra Civil Americana) , estão também presentes em “ Song of Myself “.
Em relação aos temas abordados, encontramos referida a Natureza ao longo do poema e, encontramos a alusão ao Erotismo enquanto contacto sexual entre duas pessoas que permite que estas se tornem numa só, ainda que não o sejam na realidade, passando assim para o Homoerotismo.
Contudo, o poema constrói-se todo em volta de outro tema importante: o ” Eu ”. “Walt Whitman, porém, não deve ser confundido com o “ I “ do poema, o sujeito poético, visto o autor não se ver como uma voz individual, mas, sim, querer falar por todos. O que se verifica desde o início do poema, como por exemplo em:
“For every atom belonging to me as good belongs to you “(secção 1)
ou
“In all people I see myself, none more and not one a barleycorn less,
And the good or bad I say of myself I say of them. “(secção 20)
entre outros excertos que aqui poderiam ser referidos.
Monday, 16 June 2008
Walt Whitman, Song of Myself, partes 21 e 24 (integrais)
I am the poet of the body,
And I am the poet of the soul.
The pleasures of heaven are with me, and the pains of hell are with me,
The first I graft and increase upon myself . . . . the latter I translate into a new tongue.
I am the poet of the woman the same as the man,
And I say it is as great to be a woman as to be a man,
And I say there is nothing greater than the mother of men.
I chant a new chant of dilation or pride,
We have had ducking and deprecating about enough,
I show that size is only developement.
Have you outstript the rest? Are you the President?
It is a trifle . . . . they will more than arrive there every one, and still pass on.
I am he that walks with the tender and growing night;
I call to the earth and sea half-held by the night.
Press close barebosomed night! Press close magnetic nourishing night!
Night of south winds! Night of the large few stars!
Still nodding night! Mad naked summer night!
Smile O voluptuous coolbreathed earth!
Earth of the slumbering and liquid trees!
Earth of departed sunset! Earth of the mountains misty-topt!
Earth of the vitreous pour of the full moon just tinged with blue!
Earth of shine and dark mottling the tide of the river!
Earth of the limpid gray of clouds brighter and clearer for my sake!
Far-swooping elbowed earth! Rich apple-blossomed earth!
Smile, for your lover comes!
Prodigal! you have given me love! . . . . therefore I to you give love!
O unspeakable passionate love!
Thruster holding me tight and that I hold tight!
We hurt each other as the bridegroom and the bride hurt each other.
24
Walt Whitman, an American, one of the roughs, a kosmos,
Disorderly fleshy and sensual . . . . eating drinking and breeding,
No sentimentalist . . . . no stander above men and women or apart from them . . . . no more modest than immodest.
Unscrew the locks from the doors!
Unscrew the doors themselves from their jambs!
Whoever degrades another degrades me . . . . and whatever is done or said returns at last to me,
And whatever I do or say I also return.
Through me the afflatus surging and surging . . . . through me the current and index.
I speak the password primeval . . . . I give the sign of democracy;
By God! I will accept nothing which all cannot have their counterpart of on the same terms.
Through me many long dumb voices,
Voices of the interminable generations of slaves,
Voices of prostitutes and of deformed persons,
Voices of the diseased and despairing, and of thieves and dwarfs,
Voices of cycles of preparation and accretion,
And of the threads that connect the stars -- and of wombs, and of the fatherstuff,
And of the rights of them the others are down upon,
Of the trivial and flat and foolish and despised,
Of fog in the air and beetles rolling balls of dung.
Through me forbidden voices,
Voices of sexes and lusts . . . . voices veiled, and I remove the veil,
Voices indecent by me clarified and transfigured.
I do not press my finger across my mouth,
I keep as delicate around the bowels as around the head and heart,
Copulation is no more rank to me than death is.
I believe in the flesh and the appetites,
Seeing hearing and feeling are miracles, and each part and tag of me is a miracle.
Divine am I inside and out, and I make holy whatever I touch or am touched from;
The scent of these arm-pits is aroma finer than prayer,
This head is more than churches or bibles or creeds.
If I worship any particular thing it shall be some of the spread of my body;
Translucent mould of me it shall be you,
Shaded ledges and rests, firm masculine coulter, it shall be you,
Whatever goes to the tilth of me it shall be you,
You my rich blood, your milky stream pale strippings of my life;
Breast that presses against other breasts it shall be you,
My brain it shall be your occult convolutions,
Root of washed sweet-flag, timorous pond-snipe, nest of guarded duplicate eggs, it shall be you,
Mixed tussled hay of head and beard and brawn it shall be you,
Trickling sap of maple, fibre of manly wheat, it shall be you;
Sun so generous it shall be you,
Vapors lighting and shading my face it shall be you,
You sweaty brooks and dews it shall be you,
Winds whose soft-tickling genitals rub against me it shall be you,
Broad muscular fields, branches of liveoak, loving lounger in my winding paths, it shall be you,
Hands I have taken, face I have kissed, mortal I have ever touched, it shall be you.
I dote on myself . . . . there is that lot of me, and all so luscious,
Each moment and whatever happens thrills me with joy.
I cannot tell how my ankles bend . . . . nor whence the cause of my faintest wish,
Nor the cause of the friendship I emit . . . . nor the cause of the friendship I take again.
To walk up my stoop is unaccountable . . . . I pause to consider if it really be,
That I eat and drink is spectacle enough for the great authors and schools,
A morning-glory at my window satisfies me more than the metaphysics of books.
To behold the daybreak!
The little light fades the immense and diaphanous shadows,
The air tastes good to my palate.
Tuesday, 10 June 2008
The Sleepers - Versão Integral
Comentário a "The Sleepers" de Walt Whitman (post de Rodrigo Fernandes)
O poema é um sonho onde um fluxo constante de imagens se sobrepõem, formando por fim uma imagem de plena união onde o poeta é uno com todos os seres que dormem. Neste poema o sonho é algo reparador, unificador dos Homens. Ao longo do texto vamo-nos deparando com uma diversificação que nos é apresentada como o caminho para uma união maior- união esta que quebra todas as imposições de raça, estatuto social ou sexo. Também fica marcada a posição de Walt Whitman em relação à escravatura, embora a referência a este assunto seja breve: Whitman era contra a expansão da escravatura embora não fosse a favor da abolição “The call of the slave is one with the master's call, and the/ master salutes the slave (...)” (“The Sleepers”- parte oito).
Estruturalmente, o poema é composto por estrofes livres, onde a palavra e a ideia parecem comandar o poeta e não o contrário. O poema divide-se em oito partes, cada uma descrevendo uma situação ou uma sensação, que embora nem sempre parecam ter uma ligação óbvia ou imediata com as seguintes, adquirem significado no todo do poema. Esta estruturação deve-se ao carácter sonhado do poema: este não só fala de um sonho como parece um sonho, antecipando a teoria freudiana do inconsciente.
Através da enumeração de vários personagens, o poeta dá-nos a noção da variedade de identidades presentes no seu sonho, com quem ele partilha não só o sonho mas também o ser e até o espaço. O poeta observa a vida desde o nascimento até á morte. A enumeração destas identidades não serve apenas para demonstrar a variedade do seu sonho mas também a própria variedade da vida. Todos dormem, e é esse dormir que os irá ligar como se um único ser fossem: o sonho é o veículo para se atingir o ser mais profundo e o ser mais profundo é uma única consciência com todas as outras. De certa forma, esta união é uma resposta à procura do lugar do homem no cosmos, cuja fusão com outras identidades o aproxima do não-ser budista.
Na segunda parte o poeta continua identificando-se com mais personagens: primeiro uma senhora idosa, depois uma viúva e acaba por enfrentar a sua morte “A shroud I see and I am the shroud, I wrap a body and lie/ in the coffin,/ (...)”. Este confronto com a sua morte confere-lhe significado à vida “(Its seems to me that every thing in the light and air ought/ to be happy,/ Whoever is not in his coffin and the dark grave let him/ Know he has enough.)”.
A partir da terceira parte, o poeta começa a expressar-se através de imagens, de certa maneira fazendo lembrar alucinações: um gigante luta no mar, contra as ondas que o atiram contra as rochas. Esta luta é uma luta que o gigante não poderá ganhar: a derrota do Homem pelo mar é um tema recorrente na literatura Americana. O mar aqui pode ser encarado com a fronteira entre a vida e a morte, como um simbolo do mundo espiritual que é alcançado por muitos através da morte. Esta cena, tal como a seguinte, a quarta parte do poema, representa um conflito com o mar: na quarta parte o poeta vê um naufrágio e sofre enquanto vê os marinheiros indefesos afogar-se “I search with the crowd, not one of the company is wash'd/ to us alive,/ In the morning I help pick up the dead and lay them in rows in a barn.”.
Estes dois episódios representam morte e derrota.
Na quinta parte o poeta estabeleçe uma ligação com o passado, com os fundadores da sua nação. Relembra George Washington em Brooklyn, rodeado por oficiais, incapaz de exprimir a sua dor causada pela enorme perda de vidas que uma guerra causa. Mas a paz vem a caminho, e os seus oficiais despedem-se do seu general com carinho e afeição.
Na sexta parte o poeta relembra algo que a sua mãe lhe contou, sobre uma Índia que um dia, enquanto ela ainda morava com os seus pais, visitou a sua casa e lá ficou um pouco. Esta Índia “red squaw” é descrita com grande delicadeza e o poeta mostra-a como sendo alguém de uma grande beleza e pureza espiritual. Apesar da sua mãe ter pensado meses a fio sobre essa personagem nunca a voltou a ver.
Em contraste com a terceira e quarta partes, a quinta e a sexta repsentam uma união, a beleza: a ligação espiritual do general e dos seus soldados e a ligação espiritual da sua mãe com a nativa. A espera da mãe pela nativa é parecida com uma espera romântica de uma senhora pelo seu senhor.
Na sétima parte o registo do poema muda de novo: o poeta encontra-se com algo nunca antes. Esta luz que envolve o sujeito poético pode ser considerada como a iluminação que o poeta atingiu através deste sonho- e as estações do ano integram o sonho e o poema“O love and summer, you are in the dreams and in me,/ Autumn and winter are in the dreams (...)”. A enumeração de diferentes identidades retorna. O sonho é um sonho reparador para todos: todos dormem e nos seus sonhos todos voltam a casa (“The sailor sails, the exile returns home,/ The fugitive returns unharm'd, the immigrant is back (...)”. Nesta passagem Whitman cobre muitas nacionalidades “The poor Irishman”, “The Dutchman”, “The Scotchman”, “Welshman”, etc. Esta multiplicidade de indentidades de nacionalidades quebra fronteiras e representa a união para além de tudo o que é Humano. O sonho é um sonho reparador, veículo de igualdade fraterna:“I swear they are averaged now – one is no better than the/ other,/ The night and sleep have linken'd them and restored them.”; “I swear they are all beautiful(...)”. “The soul is always beautiful”
Na oitava parte todos os sonhadores, que são belos, flutuam pola terra de mãos dadas numa união de perfeita comunhão onde a identidade se dissipa através do sonho e todos os seres separados fisicamente tornam-se uma só consciência e um só ser. Aqui o poeta usa de novo a diversidade para exemplificar a união maior. Neste poema a diversidade é o motivo da união e o caminho para este: a realidade espíritual e a profundidade da mente humana não está na personalidade e na diferenciação de personagens, mas sim na sua ligação através do sonho, o ser Uno, o Universo que é união de todas as coisas-. Este é o poder miraculoso da noite. Também o poeta se rende à noite e se deixa levar por ela, pois esta acaba por ser o seu inicio e o seu fim “I know not how I came of you and I know not where I go/ with you, but I know I came well and shall go well./ I will stop only a time with the night, and rise betimes,/ I will duly pass the day O my mother, and duly return to you.”
Saturday, 31 May 2008
Simbolismo do Rio Mississipi em The Adventures of Huckleberry Finn (post de Fábio Teixeira)
Mark Twain foi um dos escritores mais importantes da literatura Norte-Americana do seu tempo. Entre os seus livros mais famosos contam-se The Adventures of Tom Sawyer e The Adventures of Huckleberry Finn, sendo este último alvo do nosso interesse, relacionado com o tema referido no título do post.
Samuel Langhorne Clemens, mais conhecido como Mark Twain, passou para este livro as suas vivências e os seus sentimentos. Uma das fases mais importantes foi quando começou a trabalhar como piloto de barcos no rio Mississipi. Essa paixão e sentimento vivido pela vida no rio, bem como o facto de em criança ter testemunhado a escravatura de perto, originaram a receita necessária para as ideias que estarão por detrás de uma obra como Huckleberry Finn. Devido aos conteúdos existentes nesta obra, toda a sua intriga foi acusada por muitos de racista, sobretudo por causa do emprego de linguagem considerada ofensiva. Por outro lado, também foi aclamada por outros como sendo anti-escravatura. As personagens principais desta história são Huckleberry Finn, Tom Sawyer e Jim. Huck tem apenas treze anos mas já tem alguma vivência e aparenta ser bastante inteligente devido ao facto de ter de se “desenrascar” para sobreviver. Tem as suas próprias ideias e aparenta representar aquilo que vai contra a norma da sociedade. Tom representa o oposto de Huck e realça aquilo que Huck não é, mostrando ser cumpridor de ordens, mais pelas aparências do que pela moralidade do seu comportamento, e altamente influenciado pelos livros de aventura que lê. Jim, amigo de Huck e companheiro de viagem ao longo do rio, é um escravo fugido de Miss Watson e bastante inteligente, ainda que a sua possa ser considerada uma inteligência alternativa devido ao seu conhecimento do mundo natural. Jim ajuda Huck nos momentos mais difíceis da sua vida, comprovando aquilo que Twain pretende passar sobre as relações entre seres humanos.
Nessa relação entre os dois amigos podemos encontrar simbolicamente a ideia de liberdade transmitida pelas viagens dos mesmos pelo rio. Para eles o rio significava isso mesmo, liberdade, não tendo de responder perante ninguém. Podemos encontrar nesta liberdade um sentimento muito americano e até idealista sobre o rio Mississipi, e as peripécias dos dois amigos ao longo das suas jornadas pelo rio demonstram, assim, o simbolismo e o sentimento transmitido pela história.
Saturday, 17 May 2008
"Slavery's Pleasant Homes" de Lydia Maria Child (post de Ricardo Sérgio)
Muitos, nos estados do Sul, chamavam à escravatura a “instituição patriarcal”. Nela, mulheres, crianças, escravos, gado e terras eram apenas objectos cuja propriedade pertencia ao homem, branco. As senhoras do sul são produto de um sistema social que as reduzia a escravas num harém. “The bride had been nurtured in seclusion, almost as deep as that of the oriental harem”. A mulher era por parte do homem remetida a um estado de confinamento em que todas as relações dela se limitavam a ele. É Frederic que tem o acesso exclusivo a Marion, e que o tenta ter em relação a Rosa.
Marion e Rosa foram criadas juntas como irmãs, mas, no entanto, o facto de uma ser propriedade da outra mina qualquer sentimento mais intimo que possam ter. “...and soon as the little white lady could speak she learned to call Rosa her slave”. Marion, concebida ela própria para ser uma figura ornamental, vai tornar Rosa num seu objecto: “...and loved to decorate her with jewels”. Na verdade a maioria dos escravos não teria acesso a ornamentos de ouro, mas baseando-se na convenção romântica e tentando que o leitor branco se aproxime da escrava Rosa, Child atribui a Rosa um “small heart and cross of gold”, oferecido pelo amante George, e pressagiando já um amor crucificado, um final trágico.
Mas mais importante, Rosa é retratada por Child como a mulher ideal: fisicamente robusta, em contraste com Marion frágil e delicada, e moralmente pura. Essa pureza moral e espiritual é necessária e própria das concepções de feminilidade do século XIX. Rosa prefere morrer a suportar abusos. Essa forma de retratar a escrava com uma feminilidade mais recatada normalmente reservada à mulher branca era incomum na literatura da época. Os corpos dos escravos eram corpos públicos e expostos, usados como força de trabalho e suportando castigos. O corpo do escravo assume quase o estatuto de texto, na medida em que muitas vezes nele podem ser lidos todos os abusos suportados.
Child faz de Rosa uma vitima e nisso segue as narrativas masculinas sobre a escravatura em que as mulheres são sempre vistas como vítimas. Rosa é vítima de Frederic mas também de Marion, quando esta dirige sobre ela a fúria que seria melhor canalizada sobre o seu marido, demonstrando assim também a sua impotência. Mas a mais conseguida demonstração dessa violência sobre Rosa está condensada em: “one severe flogging succeeded another, till the tenderly-nurtured slave fainted under the cruel infliction, which was rendered doubly dangerous by the delicate state of her health. Maternal pains came on prematurely, and she died a few hours after.” Child consegue em poucas palavras demonstrar a violência sobre uma mulher grávida, que resulta primeiro num aborto e depois na morte.
Frederic é encontrado morto com o seu próprio punhal no coração. Como Child demonstra, a violência do proprietário de escravos volta-se contra ele mesmo. A violência é a verdadeira essência da escravatura. O escravo Mars é Marte, deus da guerra. A escravatura destrói a irmandade entre os Homens, destrói a irmandade entre irmãos como Frederic, George, Marion e Rosa; e destrói qualquer solidariedade que possa haver entre os escravos.
Só George com a sua confissão repõe alguma dignidade. Mas esse seu acto é tornado anónimo. “His very name was left unmentioned; he was only Mr. Dalcho's slave!” E como anónimo e não relatado pelos jornais o seu acto, e o seu ser tornam-se não-existentes. Só o narrador consegue repor a verdade. É essa verdade possível que Child procura quando subintitula Slavery's Pleasant Homes como A Faithful Sketch.
Sunday, 11 May 2008
Treino de Comentário (trabalho escrito)
"Today transcendentalism is still celebrated as the optimistic center of the American imagination, te source of its new language and vision. (...) [But] transcendentalists always questioned their literary heritage. (...) Along with Poe, they required obscurity. (...) This was more than a willful obscurity, for it gave America what it lacked and sorely needed, a truly critical literature."
Richard Ruland e Malcolm Bradbury, From Puritanism to Postmodernism: A History of American Literature, Harmondwsorth, Penguin, 1991, 144.
Francisco Luís Parreira, sobre Bartleby
Francisco Luís Parreira respondeu por escrito à maioria das perguntas colocadas aqui pela Madalena.
Grande generosidade na matéria para reflexão.
1- Se Bartleby representa o abandono, a pobreza, etc., e Brodsky o oportunismo, o capitalismo, etc., que papel é desempenhado por Drummond? A sua aparente generosidade tornam-no próximo de Bartleby, mas os seus receios, fugas e cautelas vendem-no ao lado oposto.
No que diz respeito ao texto de Melville, não estou seguro de que Bartleby represente isso que diz. O carácter representativo de uma personagem é aliás um canto de sereia a que Bartleby, como o astucioso Ulisses, resiste — para grande desespero nosso — amarrado aos seus mastros: o biombo, a parede que contempla, a sua inexorável falta de preferência, etc. Em certa medida, essa sua resistência a deixar-se determinar transporta-se para as outras personagens, cuja determinação é subordinada à dele. É precisamente porque Bartleby nada representa que as outras personagens (que são, por si, cheias de particularidades) também não podem fazê-lo (e nesse sentido não há lado oposto). Nessa medida, elas assemelham-se ao leitor. Ao agirem, elas mostram-se como um leitor perante um texto numa língua que não percebem, mas a respeito do qual lhes foi pedido que tomassem uma decisão. Na minha versão, quis pensar Bartleby como um poço para dentro do qual deitamos moedas e do qual esperamos que nos diga a fortuna, ou para o qual gritamos à espera de um eco. Mas este poço é especial, nada quer saber dos nossos actos mágicos e não nos devolve imagem do que somos. Este modelo permitia-me acrescentar as moedas que quisesse. Uma delas é, por assim dizer, a moeda da modernidade ou, melhor, da sua crítica, na versão nietzschiana. Brodsky fala com Bartleby como se já tivesse lido a novela, como se já soubesse que ele é um herói moderno e tentasse decifrar em que consiste esse atributo.
2. Que peso simbólico tem a parede física e abstracta de Wall Street? Traduz a impotência de Bartleby? O biombo assume no texto alguma relevância. A que se deve isso? E o busto de Cícero? Por que se apresenta tão querido a Drummond, quando tanto contrasta com o seu modo de vida?
No meu texto, o busto de Cícero e os arranha-céus negam-se reciprocamente, por assim dizer. É o que está em causa no discurso de Brodsky. Brodsky vê na modernidade um desafio existencial superior ao da dignitas ou da moderação romanas, justamente pelo carácter de risco supremo que ela envolve. Nova Iorque é agora a maior cidade romana ou grega do mundo e, portanto, uma projecção do desafio humano numa dimensão que as categorias clássicas já não podem conter. Enquanto que a dignitas de Drummond é reservada e gravitacional (não creio que o busto contraste com ele), a lógica de Brodsky é ascencional: de um dia para o outro pode-se ocupar um escritório a vários andares do chão. A ascensão de Brodsky satisfaz-se no próprio movimento, a respeito do qual ele pensa que, mesmo sem objectivo humano e meramente instrumental, acabará por produzir efeitos superiores ao da Graça divina ou da herança clássica, em parte porque o risco da perdição total é maior e a queda não tem amparo possível; em parte, porque a todo o instante é possível hoje cancelar o passado, e pode-se mesmo acordar na posse de fortunas inesperadas.
O que Bartleby vê na parede para mim é um mistério. Brodsky diz que ele vê um fungo e chama-lhe a atenção para o facto de, com isso, estar a perder o espectáculo da outra janela, o espectáculo de Wall Street para o qual dá vontade de mergulhar (mergulhar de arranha-céus foi lido na altura da estreia como uma alusão ao 11 de Setembro, mas o texto foi escrito antes disso e a imagem subliminar era para mim a dos suicidas que se precipitaram para a rua durante o crash bolsista de 1929). Acredito que Brodsky veja nesse mergulho uma beleza superior à das colunas dóricas. O biombo teria decerto algum significado se pudessemos ver o que está atrás dele. Isto nunca acontecia na encenação do meu texto. Estava lá, aliás, para que nada fosse visto.
4. Qual a importância do carcereiro e por que lhe é atribuido um discurso mais eloquente do que o habitual?
Tem a certeza de que a eloquência não é habitual nos carcereiros? Eu não consigo pensar em profissões mais eloquentes do que a de carcereiro (e Robinson acha que um simples advogado não pode sequer sonhar metade dessa eloquência). A eloquência de Robinson (ou da profissão) provém da seguinte circunstância: nela se mostra que existe um vínculo entre o carácter e o destino e que, em última análise, não há destinos em inocência. É este saber taciturno que Robinson carrega consigo. Pessoas assim ou vão para filósofos ou para carcereiros. Por outro lado, repare que um carcereiro é a justificação de um escrivão. Administra no espaço as distinções que um escrivão estabelece num papel. Consagra-o, tal como um sacerdote consagra os mandamentos escritos. O seu maior receio, evidentemente, é o dos falsificadores (ou seja, dos contra-escrivães). Ele sabe que a Lei é uma repartição do carácter pelo espaço (sob a forma de celas) e, portanto, a forma do destino. Ele acha que todos têm direito a esse destino e está disposto a guardar as chaves. Porém, compreendo a sua pergunta, mas há que reconhecer que a premissa de um escrivão que prefere não fazer nada e de um patrão incapaz de despedi-lo liberta-nos de todo o escrúpulo realista.
5. O que representa Turkey com as suas manifestções de raiva no final? Qual o papel de cada escrivão? Por que lhe atribui menos importância que o texto original?
Atribuo-lhe uma importância proporcional ao tempo dramatúrgico de que dispunha. Para isso, tive que sacrificar o outro escrivão, Nipples. A opção por novas personagens teve esse efeito de cancelar ou mitigar a presença das originais. A raiva de Turkey: essa questão remete para uma interpretação do texto de Melville, uma vez que essa raiva está na fonte. Da minha parte, quis introduzir um elemento cómico na história e achei que um Turkey indignado cumpria esse papel (em congruência, penso, com o que faz Melville). Um cómico é sempre aquele que não sabe que as coisas deixaram de existir. Por isso tropeça em objectos que não estão lá ou colhe flores de um campo impossível. Turkey é cómico porque a sua indignação tem um teor corporativo: um escrivão, diz ele, não trabalha assim. Porém, o objecto da sua raiva já deixou de existir: o escrivão Bartleby já lá não está e não estamos já a falar de trabalho.
6. Por que segue um caminho diferente para o desfecho da história? Qual o sentido de Bartleby não morrer na prisão e, em vez disso, voltar para o escritório?
Ele não volta para o escritório. A última cena é cronologicamente anterior às restantes. Coloquei-a no final para que, numa palavra, não houvesse fim. E, como sabe, não há fim: de outro modo não estaríamos aqui a falar. Segundo algumas versões, bate-se sempre com a cabeça contra o vidro.
8. Por que escolheu interpretar a personagem de Brodsky? De que forma se apresentou isso como um desafio?
Não escolhi. A definição do elenco é habitualmente uma atribuição do encenador. O encenador da minha peça terá considerado que no conjunto de actores com que a companhia trabalhava (ou punha a hipótese de vir a trabalhar) nenhum satisfazia as exigências do papel, em particular as que se prendiam com a aparência física. Quando me foi proposto que assegurasse esta personagem, fiquei a saber que correspondo fisicamente a uma certa percepção comum do capitalista emergente, o que, em princípio, deveria deixar-me tranquilo. O desafio que isso representou é semelhante ao de quem abraça uma nova profissão. Embora já tivesse alguma (escassa) experiência como encenador, só ocasionalmente, e em ambiente semi-amador, fora actor. Oiço dizer que autores que representam os próprios textos não se distinguem, geralmente, como exemplos da grande arte da representação. Eu não terei fugido à regra. É evidente que quando se escreve para teatro já se antecipa para cada personagem uma dicção, ou mais precisamente um ductus específico. Terei sido fiel a essa primeira concepção estritamente literária da personagem, o que terá dado consistência ao meu trabalho, mas essa constância, precisamente, é tudo aquilo que um actor deve abominar.Sunday, 4 May 2008
"A Psalm of Life", de Longfellow, em tradução de António Simões
O QUE O CORAÇÃO DO JOVEM DISSE AO SALMISTA
Não me digas em tom lamuriento:
"A vida não é mais que um sonho vão!"
Está morto o que vive sonolento,
O que parecem as coisas nunca são.
A vida é real! A vida é séria!
E não é na sepultura que acaba;
"Tu és pó que ao pó depois regressa."
Não foi dito acerca de a alma.
Nem a alegria nem a tristeza
Como um fim ou caminho se entende;
Mas agir pra que o amanhã nos veja
Ir mais além que o dia presente.
A arte fica e o Tempo passa,
E nossos corações, firmes embora,
Batem, quais tambores, em surdina,
Marchas fúnebres para a sepultura.
No campo de batalha que se estende,
Vasto, pelo mundo e pela Vida,
Não sejas como o gado, obediente!
Sê um herói na luta assumida.
Não creias no Futuro, 'inda que belo!
Passado morto enterre os mortos seus!
Age, age no Presente com desvelo!
Dentro, o coração, e ao alto, Deus!
Vidas de grandes homens vamos lembrando
Pra fazer das nossas sublime exemplo,
Partir, atrás de nós sempre deixando
As pegadas na areia do tempo.
Pegadas que talvez um outro, então,
Da vida navegando o duro mar,
Ao vê-las, esse naufragado irmão,
Nova coragem irá encontrar.
Ergamo-nos, pois, prontos prà acção,
Com uma coragem que tudo enfrente;
E em constante realização,
Aprender a agir, ser paciente.
(in Antologia de Poesia Anglo-Americana de Chaucer a Dylan Thomas, Porto, Campo das Letras, 2002)
Bartleby, o Escrivão (post de Pedro Roque)
O conto “Bartleby the Scrivener “ de Herman Melville conta a história de um jovem empregado que inicia a sua carreira num escritório de Advogados em Wall Street, Nova Iorque.
Esta história foi adaptada ao teatro por Francisco Luís Parreira na sua peça “ A História do Escrivão Bartleby”.
A história deste jovem bizarro é contada pelo Advogado Sénior desse escritório, que é personagem ao mesmo tempo que é narrador.
O local onde se desenrola a trama é denominado “The good old office”. No escritório trabalham, além do narrador, dois escrivães mais velhos, Nippers e Turkey, e ainda o funcionário forense e jovem escrivão Ginger Nut. Os nomes são alcunhas que os escrivães atribuíram entre si, alusivos aos seus estranhos hábitos.
Quando contrata um novo escrivão, Bartleby, o narrador espera que ele de alguma forma colmate os hábitos irregulares dos outros funcionários. O narrador crê nas capacidades deste jovem. Estabelece logo com ele uma estranha ligação de cumplicidade e confiança. No entanto, esta relação modifica-se. Sendo certo que Bartleby era inicialmente um trabalhador incansável, trabalhando dia e noite, nas cópias legais de documentos que lhe eram exigidas, começa por recusar trabalhar em equipa, usando a expressão “I would prefer not to”. O jovem escrivão recusa-se a conferir em conjunto com o narrador e os três outros escrivães os quadriplicados a si entregues. Se inicialmente esta recusa foi limitada às tarefas de correcção do trabalho e trabalho em equipa em breve se estende a toda a actividade.
Perante a contínua recusa de Bartleby em fazer seja o que for, o narrador vai cedendo ao empregado. Existe um sentimento de pena e confrangimento por parte do narrador, sobretudo vincado quando este se apercebe que Bartleby passou a viver no escritorio. Assim, o narrador, parece nutrir receio e admiração pelo seu estagiário Bartleby, não conseguindo confrontá-lo. A determinada altura, começa ele mesmo a usar a palavra “prefer” e a reparar de forma insistente sempre que os escrivães com quem trabalha pronunciam essa palavra. Invertem-se assim os papeis de empregador e empregado numa estranha ligação entre estes dois personagens.
Mais tarde, Bartleby acaba por ser preso, e mesmo nesse local é visitado pelo narrador, que então toma conhecimento que Bartleby anteriormente tinha trabalhado numa secção de correios denominada “ Dead Letters Office”. O final da história termina com o narrador finalmente em posse das razões que justificavam os estranhos comportamentos de Bartleby. As suas considerações finais são quase um desabafo. O conto termina com as exclamações: “ Oh Bartleby! Oh Humanity!”.
O vector que gostaria de focar centra-se na relação estabelecida entre os empregados Turkey, Nippers e Ginger Nut e o jovem Bartleby.
Abstraindo da relação do narrador com o empregado, tendo apenas em atenção as relações entre os vários empregados do escritório e Bartleby, convém primeiramente caracterizar os seus colegas escrivães.
Turkey é um escrivão de avançada idade. Apenas trabalha bem nas manhãs, período em que se encontra sóbrio, já que o resto do tempo se encontra bêbado. É de origem inglesa, usa um fato untado, não estimando a sua imagem exterior. Parece resultar da opinião do narrador que ele é aplicado, sincero. Admite, no entanto, que, com o passar do tempo, e os cabelos grisalhos lhe trouxeram a necessidade de “animar” as suas tardes, considerando que mesmo os borrões que deixa nas páginas acabam por ser honrosos.
Nippers, por seu lado, é um jovem de aparência enfezada de cerca de vinte e cinco anos, que exibe algumas barbas e que tem um ar de pirata. Nas manhãs sofre de indigestões terríveis, apenas podendo concentrar-se no seu trabalho no período da tarde. Essa irritabilidade torna-o pouco produtivo, travando uma luta com a mesa onde trabalha, não se conseguindo concentrar-se e produzir. O narrador não aprecia a sua “ambição desmedida” e caracteriza-o como impaciente, impulsivo e excessivamente voluntarioso. Ele é aplicado e exigente, sendo, além de escrivão, advogado de pequenas causas criminais.
Ginger Nut é um jovem de doze anos. Adquire essa alcunha porque os outros escrivães lhe entregam dinheiro para comprar bolos, sendo parte da sua actividade no escritório. O seu pai, um carroceiro, tinha-o entregue aos cuidados do narrador para se tornar um respeitável advogado. Ginger pensava que toda a ciência jurídica se encontrava numa casca de noz… Tem, por isso, ainda uma visão romântica e ingénua da actividade que lhe foi destinada.
A relação dos escrivães com Bartleby:
Turkey pensa que o narrador tem razão em exigir explicações de Bartleby pelos seus estranhos comportamentos. Ainda assim, é indulgente com o jovem de acordo com a sua maneira de ver as coisas. No entanto, existe uma evolução na opinião de Turkey acerca de Bartleby. Existem pelo menos três momentos em que a relação entre Bartleby e os escrivães é focada. A primeira situação, que penso talvez tenha ocorrido na manhã, corresponde à primeira recusa em rever as cópias. Nessa ocasião, como salientei, Turkey parece ser indulgente. Na segunda confrontação, que ocorre na tarde (e isto tem importância determinante porque Turkey está claramente sob o efeito do álcool), este ameaça com os punhos cerrados esmurrar a cara de Bartleby. A terceira situação surge numa conversa entre o narrador e Turkey, em que ambos começam a usar a expressão “prefer”. Nessa ocasião, Turkey parece apreensivo e preocupado com Bartleby, sugerindo que “ a quart of good ale” poderia ajudar o jovem Bartleby. A sua relação com Bartleby sofre, conforme exposto, evoluções contraditórias.
Nippers é mais pragmático e afirma de forma peremptória que Bartleby deveria ser posto fora do escritório por não preencher minimamente as qualificações que são exigidas a um estagiário. Na primeira ocasião (pela manhã), chega mesmo a ser violento na forma como defende essa opinião. Na segunda ocasião, pelo contrário, é extremamente tolerante com os comportamentos de Bartleby dizendo mesmo que provavelmente “may only be a passing whim”. Estávamos na parte da tarde o que pode explicar também a agressividade de Turkey e a passividade de Nippers. Também este personagem altera a sua relação com Bartleby de acordo com o período do dia.
Ginger nut simpatiza com o jovem Bartelby, embora igualmente entenda que o mesmo é um pouco lunático e muito estranho. Na segunda ocasião, Ginger Nut não parece estar presente. No entanto, dos três escrivães é aquele que tem maior consistência na sua opinião acerca de Bartleby, que parece considerar uma pessoa estranha.
Bartleby e a influência provocada na literatura, em particular a peça “História do Escrivão Bartleby”:
Esta obra é comparável com “Oliver Twist” de Charles Dickens, fazendo-nos reflectir nos malefícios da sociedade moderna. O condicionamento da natureza humana pelas convenções sociais, e essencialmente pela Revolução Industrial, num período de grande mudança, é, nesta história, o aspecto determinante.
Relativamente á peça de Francisco Luís Parreira, surgem algumas diferenças relevantes. Introduz-se mais diálogo e Bartleby é mais activo. Surge com maior destaque a alusão ao choque entre a produtividade e a individualidade, que vinca a crítica ao capitalismo no personagem de Brodsky.
No entanto, a natureza própria do limbo é a de Bartleby, a mais anti-trágica das figuras de Melville, aquele que "preferia não", contra o qual se desfaz, simultaneamente com a razão divina, toda a razão humana.
A obra pode ser visto sobre vários vectores. Acredita-se que o conto de Melville tenha influenciado a “corrente literária do Não” e a “Literatura do Absurdo”, tipo de literatura que usa o absurdo como técnica. O absurdo é a técnica literária que consiste em introduzir elementos sem coerência num marco lógico previsível, mas incompatível com o elemento novo. É uma característica recorrente no humor, que se torna desconcertante no chamado "Teatro do absurdo".
(imagem: um Departamento de Cartas Perdidas, em Washington, c. 1920)
Tuesday, 29 April 2008
Propostas de Trabalhos
- Sojourner Truth: à semelhança do trabalho feito com Apess (e, idealmente em comparação com este), estudar as marcas retóricas do sermão e do endoutrinamento religioso que transparecem no estilo desta autora
- Lydia Maria Child: estudar, em "Slavery's Pleasant Homes", de que forma a história tematiza, equiparando e contrastando, a situação dos escravos e a situação da mulher no século XIX, problematizando a família como esteio da sociedade americana.
Não se acanhem. Tragam outras sugestões.
Perguntas propostas para o debate de Sexta-feira, sobre Melville e Bartleby (post de Maria Madalena Filipe)
1. Se Bartleby representa o abandono, a pobreza, os indefesos e sem esperança e Brodsky o oportunismo, o mundo laboral, o capitalismo, e tudo o resto que caiba nesta descrição, qual é o papel desempenhado por Drummond? A sua aparente generosidade e preocupação tornam-no a personagem mais próxima do Bartleby, mas os seus receios, justificações, as suas fugas e cautelas vendem-no ao lado oposto…
2. Que peso simbólico tem a parede física e abstracta (Wall Street). Traduz a impotência e condenação de que Bartleby sofre? O biombo assume no texto dramático também alguma relevância. A que se deve isso? E por fim o busto de Cícero. Porque é que se apresenta tão querido ao Drummond quando contrasta tanto com o seu modo de vida?
3. Porque é que decidiu transpor o episódio das "cartas perdidas" para a altura em que Bartleby está preso? O que estaria na origem do seu comportamento no escritório?
4. Qual a importância do nome do carcereiro e porque lhe é atribuído um discurso mais eloquente do que seria usual?
5. Quem ou o que é que Turkey representa com as suas manifestações de raiva perante a inércia de Bartleby no final? Qual é o papel de cada escrivão? Porque é que lhes atribui menos relevância do que o texto original?
6. Porque segue um caminho diferente para o desfecho da história, isto é, qual o sentido de Bartleby não morrer na prisão e em vez disso voltar para o escritório?
7. Existe relação entre a última frase do texto dramático ("Qual será o nosso vidro, caro senhor?") e a do texto original ("Ah Bartleby! Ah humanity!")?
8. Porque é que escolheu interpretar a personagem Brosky? Nada melhor do que utilizar palavras suas para caracterizar a linha de pensamento: "O homem é agora menos que ele mesmo e o tropo do trabalho expõe essa redução metafísica do homem ao órgão". De que forma é que isso se apresentou como um desafio?
Para Rute Beirante
1. A escolha que Melville faz da profissão de Bartleby ao criar o enredo da história encontra a sua importância em que características deste trabalho? O método, a monotonia, o pouco reconhecimento?
2. Como é que as respostas de Bartleby a dada altura, são uma resposta para a vida dele? Como é que são uma resposta para a vida dos demais que convivem com ele?
3. Porque é que Bartleby, mais do que incómodo, provoca frustração, impotência e principalmente medo nos que o rodeiam?
4. O que é que significa a sua persistência?
5. Porque é que as "Dead Letters" têm um impacto tão grande na sua vida? Como é que essa experiência justifica o seu comportamento?
6. Bartleby representa a humanidade (decadente?) ou um sector da sociedade indefeso?
Sunday, 27 April 2008
Caracterização do narrador de "The Pit and the Pendulum" (post de Regina Araújo)
O narrador mostra-nos que está em delírio e, à medida que se estende no seu relato, expressões como “it seemed”, “it might” e “I supposed” identificam a sua instabilidade. A fraca luz, o longo sofrimento e o seu estado entre a fraca capacidade mental e a lucidez fazem-no duvidar de si mesmo, o que transparece com a constante mudança da percepção deste narrador relativamente ao espaço em que se encontra, com as diferentes interpretações que faz acerca do que o rodeia. Durante um momento de lucidez, afirma: “In its size I had been greatly mistaken” e, mais à frente, diz “All this I saw indistinctly and by much effort – for my personal condition had been greatly changed during slumber”. Altera a ideia inicial de que se encontrava numa cela (dungeon) para um espaço com um poço (pit), “I put forward my arm, and shuddered to find that I had fallen at the very brink of a circular pit”. Mais tarde, ao olhar para cima, repara numa pintura representativa do tempo, mais precisamente um pêndulo (“it was the painted figure of Time as he is comonly represented, save that, in lieu of a scythe, he held what, at a casual glance, I supposed to be the pictured image of a huge pendulum, such as we see on antique clocks”). Porém, encontrava-se em movimento (“I fancied that I saw it in motion”).
Apesar do sofrimento e do medo, continua esperançoso (“even in the grave all is not lost”, o que também significa que este narrador acredita na imortalidade) e conclui que a sua única salvação serão os ratos. O episódio em que os ratos roem a espécie de mortalha a que o narrador se acha preso é forçadamente macabro, e representa graficamente a nevropatia deste narrador (com os nervos também roídos) Apesar de ter escapado ao poço (pit) e ao pêndulo (pendulum), a sua verdadeira salvação é feita por General Lasalle.
O narrador considera-se um idiota. “Long suffering had nearly annihilated all my ordinary powers of mind. I was an imbecile – an idiot”. Ao ter consciência da sua pouca capacidade mental, ao alterar as suas descrições, corrigindo-se constantemente. Consequentemente, não é fidedigno, não é seguro no seu relato, é instável.
Relativamente à relação estabelecida com o leitor, apesar de se notar o esforço típico de Poe de criar o suspense que prenda à leitura, não existem invectivas explícitas ao narratário. Toda a história é relatada na primeira pessoa, como se estivesse a ser-nos contada directamente. De notar, porém, um elo de empatia estabelecido entre autor e o leitor, quando diz: “Arousing from the most profound of slumbers, we break the gossamer web of some dream”.
(ilustração de Dan Rucker)
Tuesday, 22 April 2008
The Raven
Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
" 'Tis some visiter," I muttered, "tapping at my chamber door —
Only this, and nothing more."
Ah, distinctly I remember it was in the bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow; — vainly I had tried to borrow
From my books surcease of sorrow — sorrow for the lost Lenore —
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore —
Nameless here for evermore.
And the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled me — filled me with fantastic terrors never felt before;
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating
" 'Tis some visiter entreating entrance at my chamber door —
Some late visiter entreating entrance at my chamber door; —
This it is, and nothing more."
Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
"Sir," said I, "or Madam, truly your forgiveness I implore;
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
That I scarce was sure I heard you" — here I opened wide the door; —
Darkness there, and nothing more.
Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortal ever dared to dream before;
But the silence was unbroken, and the darkness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word, "Lenore!"
This I whispered, and an echo murmured back the word, "Lenore!"
Merely this, and nothing more.
Then into the chamber turning, all my soul within me burning,
Soon I heard again a tapping somewhat louder than before.
"Surely," said I, "surely that is something at my window lattice;
Let me see, then, what thereat is, and this mystery explore —
Let my heart be still a moment and this mystery explore; —
'Tis the wind, and nothing more."
Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately raven of the saintly days of yore;
Not the least obeisance made he; not an instant stopped or stayed he;
But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door —
Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door —
Perched, and sat, and nothing more.
Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore,
"Though thy crest be shorn and shaven, thou," I said, "art sure no craven,
Ghastly grim and ancient raven wandering from the Nightly shore —
Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore!"
Quoth the raven, "Nevermore!"
Much I marvelled this ungainly fowl to hear discourse so plainly,
Though its answer little meaning — little relevancy bore;
For we cannot help agreeing that no living human being
Ever yet was blessed with seeing bird above his chamber door —
Bird or beast upon the sculptured bust above his chamber door,
With such name as "Nevermore."
But the raven, sitting lonely on the placid bust, spoke only
That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing farther then he uttered — not a feather then he fluttered —
Till I scarcely more than muttered, "Other friends have flown before —
On the morrow he will leave me, as my hopes have flown before."
Quoth the raven, "Nevermore."
Startled at the stillness broken by reply so aptly spoken,
"Doubtless," said I, "what it utters is its only stock and store,
Caught from some unhappy master whom unmerciful Disaster
Followed fast and followed faster — so, when Hope he would adjure,
Stern Despair returned, instead of the sweet Hope he dared adjure —
That sad answer, "Nevermore!"
But the raven still beguiling all my sad soul into smiling,
Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird, and bust, and door;
Then upon the velvet sinking, I betook myself to linking
Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore —
What this grim, ungainly, ghastly, gaunt and ominous bird of yore
Meant in croaking "Nevermore."
This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
To the fowl whose fiery eyes now burned into my bosom's core;
This and more I sat divining, with my head at ease reclining
On the cushion's velvet lining that the lamp-light gloated o'er,
But whose velvet violet lining with the lamp-light gloating o'er
She shall press, ah, nevermore!
Then, methought, the air grew denser, perfumed from an unseen censer
Swung by angels whose faint foot-falls tinkled on the tufted floor.
"Wretch," I cried, "thy God hath lent thee — by these angels he hath sent thee
Respite — respite and Nepenthe from thy memories of Lenore!
Quaff, oh quaff this kind Nepenthe and forget this lost Lenore!"
Quoth the raven, "Nevermore."
"Prophet!" said I, "thing of evil! — prophet still, if bird or devil! —
Whether Tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate yet all undaunted, on this desert land enchanted —
On this home by Horror haunted — tell me truly, I implore —
Is there — is there balm in Gilead? — tell me — tell me, I implore!"
Quoth the raven, "Nevermore."
"Prophet!" said I, "thing of evil! — prophet still, if bird or devil!
By that Heaven that bends above us — by that God we both adore —
Tell this soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn,
It shall clasp a sainted maiden whom the angels name Lenore —
Clasp a rare and radiant maiden whom the angels name Lenore."
Quoth the raven, "Nevermore."
"Be that word our sign of parting, bird or fiend!" I shrieked, upstarting —
"Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spoken!
Leave my loneliness unbroken! — quit the bust above my door!
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!"
Quoth the raven, "Nevermore."
And the raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon that is dreaming,
And the lamp-light o'er him streaming throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted — nevermore!
Sunday, 20 April 2008
Ainda este texto, sobre a importância de "The Raven", num Romantismo que inicia a Modernidade
a historic crisis in romantic artistic creation. In hardly more than a moment, wherein the Raven symbolized for the imagination its reach toward a further understanding of the illusion of reality and the painful awareness of nothing on the 'other side' of reality, the symbolic perspective opened. (...) Then, all suddenly, the moment was gone; and Poe ended the poem (...) The symbol had, for a moment, been able to transform reality. Then the sensible world remained resistant; reality was very real (...) Between the jocular first question, 'Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore,' and the last question, the poetic imagination had caught fire and expressed the terror of self and even of non-being. But the factual world remained fact and chaos; and the shaping spirit had nothing more to do.
(Edward Davidson, Poe: A Critical Study. Cambridge: Harvard University Press, 1957, 91-92)
O Simbolismo Português e "The Raven" de Edgar Allan Poe
Em finais do século XIX, vários dos nossos poetas pareciam empenhados em "trocar impressões" sobre "The Raven" de Poe, implicando isso sucessivas metamorfoses de pombas e borboletas...
I. António Feijó, “In Amaritudine”
in Líricas e Bucólicas, 1884; repr. Poesias Completas, coord. J. Cândido Martins, Porto, Caixotim, 2004, 136-137.
Quando isto sucedeu estávamos em Julho.
Se às vezes me entristeço e com pesar vasculho
como um antiquário as noites na memória,
lembra-me com saudade esta singela história
que tanto me comove e nunca hei-de esquecer,
guardando-a como o noivo a imagem da mulher
que a Morte lhe roubou quase ao sair da igreja…
Fecho-a no coração, se a fantasia adeja
em distantes regiões esplêndidas e belas,
como uma incrustação de pérolas e estrelas!
Estávamos em Julho. Eu vivia na aldeia;
buscava a grande paz das árvores, tão cheia
d’angustias eu trazia a alma esfacelada!
Morávamos, então, numa casa arruinada,
num antigo solar cheio de musgo e d’hera,
que ao desamparo tinha essa expressão austera
dum fidalgo que morre unido à sua crença.
Do meu quarto avistava a perspectiva imensa
das montanhas azuis nos tons crepusculares,
e ali desafogava os meus cruéis pesares,
negros como um esquife e os panos duma essa.
A vida para mim era uma noite espessa,
o céu feito de chumbo e estrelas apagadas,
onde apenas ouvia as secas enxadadas
a cobrirem de terra as tábuas dum caixão…
Foi n’esse estado atroz que eu tive esta ilusão,
quando fitava imerso em tristes pensamentos
a cordilheira erguida a desafiar os ventos
no horizonte longínquo, ao pôr do sol glorioso.
Uma pomba d’aspecto ebúrneo e cetinoso
(choro se nesta ideia o espírito concentro)
a esvoaçar entrou pela janela dentro
do meu quarto; poisou sobre um estranho busto,
– vestígio que ficou d’algum artista augusto,
velha imagem, talvez, dum santo ou dum herói –
e as asas distendeu como o corvo de Poe
naquela solidão, cheia de um tédio amargo…
Ao vê-la despertei do místico letargo
em que a dor me lançou, profunda e silenciosa;
senti-me renascer, voltar à vida ociosa,
numa unção, numa paz, tão salutar, tão calma,
como quem vê florir a murcha flor da alma
e num momento esquece a angústia que o devora.
Nos dilúvios da mágoa a pomba foi a Aurora
e o arco da Aliança e o ramo da oliveira,
o talismã que prende a minha vida inteira,
que encerra toda a paz e um mundo em si contém…
Pomba! Serias tu, Alma de minha Mãe?
II. Alberto Osório de Castro, “Nocturno”
in Bohemia Nova, Coimbra, nº2, 15 de Fevereiro de 1889; repr. Obra Poética, vol. 1, coord. J. C. Seabra Pereira, Lisboa, INCM, 2004, 110-111.
I
Esta noite de Inverno hostil e dura,
Em meu quarto, horas mortas, religiosas,
Entrou, batendo as asas lutuosas,
Uma pequena borboleta escura.
II
Ergui os olhos do volume antigo
Que absorto lia, – um poema d’Alemanha.
Lá fora o vento n’uma fúria estranha
Lembrava os pobres que não têm abrigo.
III
Não sei por onde entrara a borboleta
E impressionou-me muito sobretudo
Ver a sua asa negra de veludo
De mim em torno esvoaçada e inquieta.
IV
Segui-lhe ansioso o voo intencionado…
Poisou-me enfim no coração, e logo
Com que a folha dum punhal em fogo
Me atravessou meu peito, lado a lado.
V
Choro convulso, involuntário a sigo…
Uma lembrança horrível me tortura!
Olho, não vejo a borboleta escura,
- Alma talvez d’algum dos meus em perigo!
5. António Nobre, “O Poeta, está, (deu meia-noite, agora)”
Publicado postumamente in Primeiros Versos, 1921; repr. António Nobre, Poesia Completa, coord. Mário Cláudio, Lisboa, Dom Quixote, 2000.
O Poeta, está, (deu meia-noite, agora),
Na sua Torre, só, lendo e fumando…
Batem à porta! Quem será a esta hora?
Passa uma escura borboleta, voando!
Agoiro. Alguma nova aterradora,
Algum despacho… Mas Joseph, entrando,
Antes que eu fale diz: Uma senhora,
Que me entregou este bilhete, ansiando.
Uma senhora! Com a mão gelada,
Nervoso, ansioso, pego da tarjeta
E leio: «Morte 3 rua do Nada».
Bem, Joseph! Podes-me ir fazendo a mala,
Porque, segundo as regras da etiqueta,
Não devo demorar muito em pagá-la…
Coimbra, 1889
Traduções portuguesas de "The Raven"
A imaem é uma “intradução" (tradução que pretende confundir-se e actuar na cultura de chegada) de Augusto de Campos, poeta brasileiro, 1992.
Esta tradução foi retirada do site http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/framepoe.htm?http%3A//paginas.terra.com.br/arte/PopBox/accorvo.htm, onde, no campo esquerdo, encontrarão várias outras versões para português, nomeadamente a de Fernando Pessoa e a minha. Assim, embora vos tenha enviado por mail o meu propósito de colocar essas duas traduções no blogue, julgo que é mais prático deixar só este link.
Monday, 7 April 2008
Aperitivo a Hawhtorne e Poe
Com Hawthorne e Poe, veremos dois momentos exponenciais de questionamento da assertividade do sonho americano, e crença no progresso quer do homem americano quer do homem em geral na possibilidade de um caminho de perfeição ou de religião (recordo, de religio - i. e. religação harmónica com o transcendente).
Ambos os autores foram influenciados pela literatura gótica europeia, inclusive situando na Europa algumas das suas ficções.
Mas há quem argumente que o "gótico americano" tem uma face própria.
A obra que aqui se apresenta foi realizada em 1930 por Grant Wood, tornando-se um dos quadros mais famosos da pintura americana. Chama-se "American Gothic". E a pergunta sobre que gostaria que especulassem durante esta semana é: porquê o título? que representa a imagem que possa justificá-lo?
Toca a comentar.
Sunday, 6 April 2008
Compare-se #2
O pensamento analógico expresso por Emerson no ensaio "Nature" (1836) com o famoso poema "Correspondances" que o poeta francês Charles Baudelaire publicou em Fleurs du Mal (1857)
CORRESPONDANCES
Charles Baudelaire
La Nature est un temple où de vivants piliers
Laissent parfois sortir de confuses paroles;
L`homme y passe à travers des forêts de symboles
Qui l´observent avec des regards familiers.
Comme de longs échos qui de loin se confondent
Dans une ténébreuse et profonde unité,
Vaste comme la nuit e comme la clarté,
Les parfums, les coulers et les son se répondent.
Il est des parfums frais comme des chairs d´enfants,
Doux comme les hautbois, verts comme les prairies,
_ Et d´autres, corrompus, riches et triomphants,
ayant l´expansion des choses infinies,
comme l´ambre, le musc, le benjoin et l´encens,
qui chantent les transports de l´esprit et des sens.
CORRESPONDÊNCIAS
A Natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam por sua vez ouvir uma língua confusa;
Nela, simbólicas florestas o homem cruza,
Atraindo, ao passar, amistosos olhares.
Como os ecos, ao longe, afinam seus rumores,
Em uma tenebrosa e profunda unidade,
Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade,
Correspondem-se os sons, os perfumes, e as cores.
Alguns perfumes têm da criança o frescor,
A maciez do oboé, das matas o verdor,
_ E ricos outros são, triunfantes, corrompidos,
Possuindo a expansão dessas coisas sem fim,
Tal como o incenso, o nardo, o sândalo, o benjoim,
Que cantam o fervor da mente e dos sentidos.
(Tradução de Cláudio Veiga)
Saturday, 5 April 2008
Compare-se
"It appears then that the world judge correctly, why should you be ashamed of their favorable judgment?" The difficulty lies in the interpretation of the word "judgment" or "opinion." The opinion is the world's, truly, but it may be called theirs as a man would call a book his, having bought it; he did not write the book, but it is his; they did not originate the opinion, but it is theirs. A fool, for example, thinks Shakspeare a great poet — yet the fool has never read Shakspeare. But the fool's neighbor, who is a step higher on the Andes of the mind, whose head (that is to say his more exalted thought) is too far above the fool to be seen or understood, but whose feet (by which I mean his every day actions) are sufficiently near to be discerned, and by means of which that superiority is ascertained, which but for them would never have been discovered — this neighbor asserts that Shakspeare is a great poet — the fool believes him, and it is henceforward his opinion. This neighbor's own opinion has, in like manner, been adopted from one above him, and so, ascendingly, to a few gifted individuals, who kneel around the summit, beholding, face to face, the master spirit who stands upon the pinnacle. * * * *
You are aware of the great barrier in the path of an American writer. He is read, if at all, in preference to the combined and established wit of the world. I say established; for it is with literature as with law or empire — an established name is an estate in tenure, or a throne in possession. Besides, one might suppose that books, like their authors, improve by travel — their having crossed the sea is, with us, so great a distinction. Our antiquaries abandon time for distance; our very fops glance from the binding to the bottom of the title-page, where the mystic characters which spell London, Paris, or Genoa, are precisely so many letters of recommendation."
Tuesday, 11 March 2008
Friday, 7 March 2008
Como Afixar um Comentário
Thursday, 6 March 2008
Boas Vindas
- conceber um post temático sobre texto a combinar e enviar para o email do blogue até Sexta às 17h00 para aulas de Terça, e até Terça às 17h00 para aulas de Sexta, usando depois comentários dos colegas para a apresentação oral em aula;
- contribuir com comentário para a discussão de pelo menos seis posts, afixando a sua mensagem até às 14h00 do dia anterior à aula em que será discutido o texto em causa.
Espera-se entusiasmo, críticas construtivas e palavras criativas.
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- Adventures of Huckleberry Finn in Gutenberg
- American Memory: Library of Congress
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