Sunday 5 November 2023

Para a aula de 7 de novembro - Arthur Gordon Pym até capítulo XIII

Como sempre, responda a uma ou mais!

 - Considerando o que comentámos na aula anterior, sobre o gótico náutico e o sentimento de clausura, selecione uma passagem em que se refiram quer as motivações do narrador para a aventura marítima, quer as suas impressões em momentos de captura, analisando como são convocadas as impressões de suspense e terror;

- Comente e analise situações de cumplicidade masculina no romance;

- Discuta a retórica racista presente no romance, bem como possíveis nuances de representação racial.

(ilustração de Leonor Fini)


4 comments:

Carolina Jorge said...

The Narrative of Arthur Gordon Pym of Nantucket, de Edgar Allan Poe, é um livro saturado de retórica racista. Escrito em 1838, é uma reflexão do seu tempo (os debates sobre a escravatura de 1834 são das primeiras discussões públicas sobre o tema) e também do seu autor, um homem profundamente sulista e pró-escravatura. Apesar de passarem por muitas dificuldades e situações extremas aterrorizantes, a que parece amedrontar mais os personagens é a de que os brancos possam perder a sua vantagem contra pessoas de cor. Tanto que nem desconfiam de que estas lhes possam efetivamente causar dano, por serem de tal forma superiores, tanto em construção de casas, língua, vestimentas e armas. As descrições de homens brancos acabam sempre por estar carregadas de um sentimento de admiração ou indulgência (“The captain, however, treated me with every attention- to make amends, I presume”, “This induced the hardy seamen to persevere”) por oposição às descrições dos nativos, que são condescendentes, desumanizantes, sendo a seguinte citação a mais impactante das inúmeras descrições racistas: “the most wicked, hypocritical, vindictive, bloodthirsty, and altogether fiendish race of men upon the face of the globe. It is clear we should have no mercy had we fallen into their hands”. Outras são: “savages”, “[clothes] made to fit the body with some degree of skill”, “this was a degree of ignorance for which we were not prepared for”, “at every step we took inland the conviction forced itself upon us that we were in a country differing essentially from any hitherto visited by civilized men”, “the dwellings were of the most miserable description imaginable, and, unlike those of even the lowest of the savage races with which mankind are acquainted”, “this village, if worthy of the name”, “their lips, however, like those of the men, were thick and clumsy, so that, even when when laughing, the teeth never disclosed”, “made use only on idiotic gesticulations”.
Adicionalmente, tudo quanto é branco ou claro é bom ou um presságio de algo bom, enquanto que as coisas escuras são sempre associadas aos piores momentos/situações/pessoas. Nada é mais ilustrativo disto do que o final, quando, após terem raptado Nu-nu (um dos nativos da ilha de Tsalal), este sofre até à sua eventual morte com a constante exposição à brancura que o rodeia (parecendo querer deixar a mensagem de que, no final, whiteness will prevail over darkness) e, pouco depois, Peters e Pym são acolhidos nos braços de uma figura cuja pele era “of the perfect whiteness of the snow”, o que interrompe a narração da sua queda da catarata, fornecendo-lhes (e ao leitor) um último momento de tranquilidade.

Sofia Henriques Fialho said...

Uma das principais questões raciais no romance é a representação dos povos indígenas e africanos que surgem ao longo da história. Eles são frequentemente retratados de maneira estereotipada e depreciativa, refletindo assim, os preconceitos e atitudes racistas que eram comuns naquela época. Por exemplo, os povos nativos encontrados por Pym são descritos como “wild barbarians” , o que intensifica estereótipos negativos sobre as culturas indígenas.
No romance, personagens negros, como o marinheiro Dirk Peters, são retratados ambiguamente. Embora Peters seja leal a Pym e desempenhe um papel importante na história, ele é descrito como tendo características físicas que se enquadram nos estereótipos raciais da época. Além disso, o uso de termos como "black" e "mulatto" para descrever personagens pode ser interpretado como “racialmente insensível”.
Os personagens não brancos, são frequentemente retratados como "outros" em relação aos protagonistas brancos, o que os coloca em uma posição de inferioridade e exotismo em relação aos personagens brancos.
O romance cria tensões raciais, particularmente na relação entre os personagens brancos e os nativos da Ilha Tsalal. Os nativos são frequentemente retratados como uma ameaça aos personagens brancos, contribuindo para a visão negativa destes grupos étnicos.

Sofia Henriques Fialho said...

O tema da cumplicidade masculina pode ser analisado em várias situações ao longo do romance. A relação entre Arthur Pym e o seu amigo Augustus é um exemplo notável. A viagem perigosa e cheia de adversidades que enfrentam juntos cria um vínculo de confiança e apoio mútuo entre os personagens masculinos. O protagonista, desenvolve assim uma forte amizade com Augustus, que é um dos tripulantes do navio. Estes compartilham ao longo do romance perigos e dificuldades juntos, enfrentando situações de sobrevivência extrema no mar. O ambiente isolado e hostil em que se encontram fortalece os laços entre os homens, criando uma comunidade que enfrenta desafios juntos. A necessidade de confiar uns nos outros em situações extremas pode gerar uma forma única de cumplicidade. A luta pela sobrevivência após o naufrágio, Pym e Augustus estão entre os poucos sobreviventes a bordo de um bote salva-vidas, enfrentando dificuldades terríveis, como a escassez de comida e de água. A troca de confidências ao longo da narrativa, Pym e Augustus compartilham os seus pensamentos, medos e esperanças uns com os outros. Eles apoiam-se emocionalmente, criando uma conexão profunda que é um elemento chave da cumplicidade masculina. Além disso, a figura do capitão do navio, que muitas vezes representa uma autoridade masculina, também desempenha um papel chave na dinâmica de cumplicidade. A lealdade e a obediência à figura do capitão refletem as normas sociais da época.


Margarida Ramirez said...

“In about an hour after he had gone I distinctly felt the brig in motion, and congratulated myself upon having at length fairly commenced a voyage.
Satisfied with this idea, I determined to make my mind as easy as possible (…) I now looked over the books which had been so thoughtfully provided, and selected the expedition of Lewis and Clarke to the mouth of the Columbia. (…)
Upon awakening I felt strangely confused in mind, and some time elapsed before I could bring to recollection all the various circumstances of my situation. By degrees, however, I remembered all. Striking a light, I looked at the watch; but it was run down, and there were, consequently, no means of determining how long I slept. My limbs were greatly cramped, and I was forced to relieve them by standing between the crates. Presently feeling an almost ravenous appetite, I bethought myself of the cold mutton, some of which I had eaten just before going to sleep, and found excellent. What was my astonishment in discovering it to be in a state of absolute putrefaction! This circumstance occasioned me great disquietude; for, connecting it with the disorder of mind I experienced upon awakening, I began to suppose that I must have slept for an inordinately long period of time.”

Neste excerto começamos por ver a satisfação do narrador com o início desta viagem. A leitura do diário de bordo leva-nos a entender a sua motivação pela conquista de novos territórios, pelo conhecimento de novas rotas, através da vastidão do oceano.
Quanto à clausura que atravessa neste momento da trama, podemos ver a confusão temporal por que a personagem passa, não sabendo quanto dormiu, situação que nem o relógio foi capaz de esclarecer. A captura leva a um estado mental diluído, distorcido, que não permite clarividência sobre o que acontece ao redor.
Também o escuro nos remete para este imaginário.
As pernas estavam dormentes, o que também nos faz crer que o espaço em que está é exíguo e que, por isso, adotou a mesma posição por um período alargado de tempo. Além disso, deixou apodrecer alimentos, o que se tornará um problema graças à dificuldade de acesso a recursos.
O barco é já sinal bastante de clausura: de distância dos que ficam em Terra, de limitados mantimentos e recursos, de restrição de movimentos, de espaços e das pessoas com quem se cruzam. Esta sensação contrasta com a vastidão do mar, daquilo que avistam. Estando num compartimento isolado, ainda mais complicado se torna.
Todos estes elementos (escuridão, falta de acesso a recursos essenciais à sobrevivência, a restrição de movimentos) contribui para a ideia de suspense: será que esta personagem poderá sobreviver nestas condições?