Monday 19 September 2022

Apreciação do prefácio de "Rip Van Winkle" por Washington Irving

 


"Rip Van Winkle" é um conto americano, escrito por Washington Irving, e assinado por Geoffrey Crayon, um dos pseudónimos de Irving, para além de Diedrich Knickerbocker, na colectânea de textos The Sketch Book, e é baseado no folclore alemão, porém com cenários e temática adaptada à realidade norte-americana. Contudo, para que a história tivesse um cunho de veracidade, Irving insere um prefácio onde “prepara” o leitor para a história que vai ler, informando-o dos factos que antecederam a escrita da mesma, de forma que a narrativa seja contextualizada.
Primeiramente, esta narrativa pode ser considerada uma narrativa em terceira mão, ou seja: Irving escreve sob o pseudónimo de Crayon, que é uma versão ficcionada do próprio Irving, que por sua vez delega a escrita de Rip Van Winkle para uma terceira pessoa, também ele pseudónimo de Irving, Diedrich Knickerbocker. Ele começa, então, por dizer que esta história foi encontrada no meio de vários escritos de Diedrich. Este é caracterizado como sendo um curioso da história e costumes holandeses, seus antepassados que colonizaram parte da América do Norte aquando da Guerra dos 30 anos (entre 1618 e 1648), em que os Países Baixos, sendo protestantes mas fazendo ainda parte do Império Católico Romano, sofreram várias perseguições religiosas e, por isso, foram fixar-se na América do Norte, ficando conhecidos como “Dutch Settlers”. Contudo, estes “Dutch Settlers” provinham de vários países como a Holanda, a Alemanha, França e Escandinávia. Dada esta curiosidade, Diedrich realiza vários estudos e pesquisas onde se debruçou sobre histórias de famílias “Dutch” tendo descoberto, então, a história de Rip Van Winkle.
Esta história tem como pano de fundo o vale do Rio Hudson, navegado primeiramente por Henry Hudson ao serviço da Holanda no século XVII, e as montanhas de Kaatskill, cujo nome é de origem holandesa. Há aqui, portanto, um elo de ligação entre a história e aquele que a conta, já que ambos têm um elemento em comum: a identidade holandesa. Outro recurso que Washington Irving utiliza para criar um pacto de veridicção é o uso de expressões como “a book of unquestionable authority” e “scrupulous accuracy […] that has been completely established”. Deste modo o autor transmite ao leitor que não há qualquer falsidade nos factos que são descritos na história, nem põe em causa a credulidade do autor, neste caso Diedrich Knickerbocker.
Concluindo, poderá dizer-se que o objectivo deste prefácio seria incutir um carácter verídico à história de Rip Van Winkle que, por sua vez, vai transmitir um sentimento de posse de uma tradição de folclore que as nações mais antigas possuíam, mas a América do Norte não. Daí ser este o motivo pelo qual Irving se identificou com um pseudónimo de origem holandesa, Diedrich Knickerbocker, para que a história seja contada por alguém com pontos em comum com as personagens e cenário descritos, ou seja, alguém com uma ligação à história e não um “outsider”. E a escolha da identidade “Dutch” talvez tenha a ver com uma oposição à cultura e identidade inglesa de que os americanos tanto se quiseram afastar.

(imagem Boyd, A Visit from St. Nicholas, 1849, facsimile edition, St Nicholas Center Collection - São Nicolau disfarçado de elfo holandês...)

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