Mark Twain era o pseudónimo usado por
Samuel Langhorne Clemens enquanto escritor de sketches humorísticos. “Mark
twain” é a profundidade de água mínima para um barco a vapor navegar e, na
caneta de Samuel Clemens, era a voz satírica do pretensiosismo aristocrata.
Assim, em 18 de Novembro de 1865, “Jim
Smiley and His Jumping Frog”, o conto que chamou a atenção do público para
Twain e um dos contos mais populares da sua carreira, foi publicado num jornal
nova-iorquino, o New York Saturday Press.
“Jumping Frog” é um exemplo de tall
tale,
um conto em moldura (frame story) tradicional no sudoeste americano, em
que uma história é relatada dentro de outra. Neste conto, usa-se a ficção para
criticar ou descrever situações não-ficcionais contemporâneas, distinguindo-se
ao nível estilístico pelo discurso vernacular. Este tipo de narrativa oferece
profundidade à história através da multiplicidade de ouvintes e narradores. No
entanto, é a combinação deste tipo de narração com deadpan humor – “To me,
the spectacle of a man drifting serenely along through such a queer yarn
without ever smiling was exquisitely absurd” – que permite a
diversidade de leituras deste conto. Inicialmente, pode parecer confuso ou insignificante,
mas o contraste entre Este e Oeste, criado através da voz dos narradores, e os
possíveis paralelos entre ficção e não-ficção são apenas parte do seu
interesse.
Em “Jumping Frog”, Twain é o
narrador do Este americano que, com um registo discursivo elevado, simboliza os
Easterners
civilizados, denunciando em diversos instantes a opinião estereotipada que
estes tinham dos Westerners, ao descrever Wheeler, o outro narrador, como “fat
and bald-headed”, habitante de uma povoação mineira decadente, preguiçoso, “dozing
comfortably by the barroom stove of the little old dilapidated tavern (…).”
É a narrativa de Wheeler, o Westerner simplório, que
se sobrepõe nesta história à narrativa do Easterner educado (que se
aborrece e não consegue captar o humor do relato de Wheeler por se sentir
superior a ele), ganhando a atenção do leitor através do discurso vernacular
exagerado que dá ao relato o seu tom humorístico. A busca de Leonidas W. Smiley
– que, sendo reverendo, também tem educação e proeminência social – perde toda
a importância, e o interesse do leitor passa a ser dirigido a Jim Smiley, um gambler com uma sorte
invulgar, capaz das apostas mais absurdas. O narrador vai tão longe ao ponto de
pensar que Leonidas W. Smiley é de facto um mito, e que Ward lhe terá pregado
uma partida, uma vez que nunca falaria com alguém como Wheeler se soubesse o
que iria suceder.
A caracterização de membros da sociedade
que normalmente seriam desprezados viria a ser desenvolvida por diversos outros
autores, dentro dos quais podemos referir Charles Dickens, na Inglaterra do século
XIX, ou Herman Melville, entre tantos outros. Twain deixaria um legado
igualmente importante, na caracterização natural e realista de locais, de pessoas
e da língua
Para que o leitor captasse a pronúncia
local, Twain transformou o inglês padrão, reforçando a oralidade de cada
personagem (de lembrar que Twain teve contacto directo com falantes que viviam
nas margens do rio Mississippi). Como exemplos, referimos “feller” em vez de “fellow”; o uso de “curiosest”, declinação
errada do adjectivo “curious”, que no contexto da frase deveria ser “the
most curious man”; a repetição da expressão “he’d bet on it” e “he would
bet you”,
assim como a enumeração nas diversas apostas – “dog-fight”, “cat-fight”, “chicken-fight”, para ilustrar
a tendência excessiva de Smiley para o jogo; a dupla negação “never made no
difference to him”, que, embora seja redundante, reforça a ideia; “warn’t
going”,
ao invés de “wasn’t/was not going”; a conjugação errada do verbo “to
come”
no passado (“he come in” é preferido a “he came in”); “inf’nit”, em que o
falante ignora a existência da vogal ; a escolha do verbo “to say”, conjugado no
presente do indicativo (“says”), para introduzir diálogo, contrastando com o
pretérito perfeito usado ao longo da narração; a palavra “more” soletrada como
“m-o-r-e”,
que parece indicar uma leitura com maior enfase, tal como em palavras em itálico
que vão surgindo.
Uma das histórias acerca de Jim Smiley
envolve um pequeno bulldog, chamado Andrew Jackson, no qual ele apostava em
lutas de cães. Como o cão era pequeno, todos apostavam contra ele, mas o cão
resistia a todos os ataques e, no final, atacava os rivais, ferrando os dentes
nas suas patas traseiras e aguentando-se dessa forma até ao final da luta,
vencendo as apostas através de tenacidade. Andrew Jackson também é o nome do sétimo
presidente dos EUA e o primeiro Westerner a ganhar as eleições,
governando de 1829 a 1937. Embora tenha lutado pelo direito ao voto em todos os
estados do Oeste e contra a aristocracia (na sua perspectiva) anti-democrática
do Este, conquistando o cidadão comum, Jackson era um slaveholder, apoiando a
escravatura e levando à expulsão dos Índios americanos dos seus territórios
para Oklahoma.
A história seguinte, e a que dá o título
a este conto, é a de um sapo chamado Dan’l Webster. Na perspectiva de Smiley, “all
a frog wanted was education” Daniel Webster é também o nome de um senador
de Massachusetts. À semelhança do
senador, reconhecido como um dos maiores de sempre, cujos discursos fizeram
parte da educação americana como exemplos de grande oratória, Wheeler descreve
Dan’l Webster como um sapo “so modest and straightfor’ard (…), for all
he was so gifted.” No entanto, ao chegar um estranho à povoação, este não vê
no sapo nada que o distinga dos sapos comuns e, enganando Jim Smiley, enche a
boca de Dan’l Webster com chumbo para que não salte, vencendo assim a aposta
com um sapo vulgar.
Revela-se neste episódio algo curioso que
distingue Smiley da figura do estranho. Enquanto o estranho optou por fazer
batota (talvez por não ter senão outra opção e por querer realmente o
dinheiro), Smiley conjugava artimanhas para ganhar, mostrando um forte sentido
de perseverança no treino dos seus animais.
Neste conto, encontramos muitas das
características que marcaram a escrita de Mark Twain – o narrador sem sentido
de humor, o discurso vernacular (que veio a influenciar toda a Literatura
Americana e a aceitação das vozes não-padrão na literatura, libertando a prosa
das restrições que caracterizavam a literatura elevada), a sátira política, a sátira
à sociedade burguesa americana e o protesto socialmente aceitável (enaltecendo
as características positivas e expondo as negativas) através da comédia.
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