Monday, 4 March 2013

Análise do Poema "Compensation" de Ralph Waldo Emerson (MVG)


(Imagem, "The Oxbow" by Thomas Cole, 1836 - Hudson River School)

O poema “Compensation,” tendo sido acrescentado como mote em 1847 ao ensaio homónimo de Emerson, ilustra o tema dessa peça, que é a dualidade como expressão do equilíbrio da natureza, aproximando-se do conceito de “felicidade negativa”, isto é, de que apenas se pode conhecer o bem e a graça com a experiência do mal e da catástrofe. Há também o enquadramento da doutrina religiosa de que por desígnios nem sempre logo evidentes o que é percebido como negativo vem produzir um maior bem, e o da natureza como sistema perfeito e auto-regulador, procedente do iluminismo e da convicção naturalista de que nada se perde e tudo se transforma (Lavoisier, séc. XVIII). Porém, como sucede noutros casos de epígrafe, esta lança uma medida de contraditório e interrogação sobre um argumento que em Emerson, geralmente, também não decorre de forma linear mas digressiva.
            A divisão em duas estrofes, cada uma com catorze versos, marca também duas partes distintas, sendo que a primeira expõe as condições ao nível dos elementos universais e genesíacos (Lua, Terra, Mar, Vazio, Trevas, Astros) e das condicionantes da acção: Tempo, Espaço, Carência / Necessidade, Posse (Time, Space, Want, Have). Note-se que estas condicionantes coincidem com as limitações românticas (pós-kantianas) do conhecimento e da acção ética, referindo-se à acção do homem, o qual só aparece na segunda estrofe. Nesta encontramos um progresso eufórico relativamente aos primeiros versos, assumindo o homem a centralidade deste equilíbiro dual, afirmando-se a sua capacidade de agir com poder e em conformidade com a natureza, parecendo desenhar-se a hipótese de a divisão, incluindo a perseguição da sombra e talvez do que o ensombra, ser em última instância produtiva.
            Todo o poema é marcado por antíteses, mas as da primeira estrofe apresentam uma particularidade austera que contrasta com o elogio da exuberância do natural noutros passos emersonianos. O poema parece começar por um esquema mínimo, bicromático de preto e branco, de alguma forma fazendo-nos atentar na propriedade do verbo “pied”, que desgina normalmente algo pintado ou colorido. As asas do tempo aparecem assim com alguma rigidez na sua alternância, fazendo talvez suspeitar de algum desajuste com o balanço natural dos ciclos lunares e das marés. Este equilíbrio algo precário é ainda mais perturbado pelo desejo / tensão entre carência e necessidade, o que é introduzido pela palavra disfórica “feud” (briga, rixa, e também domínio), mas de alguma forma contrabalançado pelo verbo de luz, “glow”, pareccendo querer significar que é destas condições subjectivas que nasce a fagulha compensatória (“compensatory spark”).
          Por outro lado, sendo essa fagulha hipoteticamente o que resta da deslocação da terra do centro do mundo, na segunda estrofe é o Homem que assume a direção das acções e dos acontecimentos. Pelo seu poder, descrito como alado ("on winged feet, / Lo! It rushes thee to meet") e, portanto, recordando o que era atribuído aos deuses na epopeia clássica, é possível uma identificação entre homem e natureza. Trata-se aqui muito possivelmente do acesso ao conhecimento transendental, numa curiosa inversão também da representação do processo de conhecimento no Mito da Caverna de Platão, já que é a Natureza, dominada pelo Homem, que no final do poema se torna a sua sombra.

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