Monday, 18 March 2013

Comentário de Mariana Mouzinho ao repto de Emerson de um poeta para cantar a América


Neste excerto de “The Poet”, Emerson faz uma clara invocação ao poeta que virá para cantar a América, em todo o seu esplendor. Terá sido Walt Whitman que, onze anos depois, com “Leaves of Grass”, respondeu a esta invocação. No entanto, através deste excerto, é possível também analisar a forma como o conceito de “América” é utilizado, como um elemento unificador que transforma características variadas e, muitas vezes, opostas deste país num todo, chamado América. Este todo engloba o Norte e o Sul, os índios e os negros, a América agrícola e a Revolução Industrial. Esta pertença a um todo, e o direito que todos estes opostos têm de considerar este todo como “seu”, remete para uma pretensa igualdade de todos aqueles que esta América una abrange, que remonta ao  seu documento fundador, a Declaração da Independência de Jefferson.
É através da ideia presente na Declaração da Independência de “all men are created equal” que surge o conceito de América como país englobante que é aqui apresentado. No entanto, a Declaração da Independência foi revista por forma a excluir os escravos negros que, por motivos económicos, eram imprescindíveis à economia agrária do século XVIII. Com a industrialização do Norte dos Estados Unidos no século XIX, a questão da escravatura sofre uma importante viragem e também na literatura isso é notório, já que no seio da "American Renaissance" se pugnará também pela atenção a realidades e comunidades minoritárias. E é neste contexto de revolução, tanto económica, como artística, que surge, na literatura, esta América que tudo engloba (brancos, índios e negros), pronta a ser explorada.


Em “Resistance to Civil Government”, Thoreau critica a escravatura negra, argumentando que o Governo não deve ter nenhum tipo de autoridade em questões morais: “I cannot for an instant recognize that political organization as my government which is the slave’s government also”. Defende, igualmente, a liberdade de pensamento e expressão das minorias em relação à tirania das maiorias. Esta desvalorização da maioria é também uma desvalorização do homem branco como naturalmente superior e um apelo a uma igual importância de todos e, principalmente, das minorias (índios, negros) em relação às maiorias (brancos). O que os une, novamente, é a pertença a uma América una e igualitária.
Em “Young Goodman Brown”, Hawthorne retrata a sociedade Puritana de Salem, a sua terra-natal, no final do século XVII. Os dissidentes da Igreja Anglicana são alvos de uma análise fortemente critica de Hawthorne, que pretende desconstruir por completo uma sociedade supostamente constituída por homens e mulheres devotos e honestos. Hawthorne desmascara-os através do seu lado negro e impuro, juntando os homens e as mulheres mais honestas num ritual em homenagem ao Diabo. Este ritual pagão é uma união simbólica entre os puritanos e os índios, os homens honestos e desonestos, as prostitutas e as imaculadas. Pode ser lido como uma demonstração metafórica, ainda que trágica, da igualdade de todos os homens - unidos pelo mal e pela clareira da floresta, da mesma forma que estão unidos como cidadãos americanos. Em The Scarlet Letter, Hawthorne aprofunda esta desconstrução da sociedade ímpia dos “Founding Fathers”. Hester Prynne, ao passear pelas ruas de Salem, consegue reconhecer as mulheres impuras e pecadoras, pela forma como estas olham para o símbolo no seu peito. Hester apercebe-se da quantidade de mulheres, mesmo de estatuto mais elevado, que olham para o símbolo da sua condenação com vergonha e não com desdém. Assistimos novamente, tal como em Thoreau, a uma chamada de atenção para a inexistência de uma superioridade moral do homem branco puritano em relação ao índio ou ao negro. A moralidade não está na cor da pele, mas sim em cada um.
Também entre Massachusetts e Nova Iorque, está William Apess, cuja perspectiva como índio é extremamente esclarecedora da injustiça e preconceito com que os índios e os negros são tratados. A união de todos, para Apess, é feita sob a alçada de Deus, que fez o homem à sua imagem, sem diferenciação de cor de pele. A cor de pele é, para Apess, algo que não tem lugar em julgamentos morais ou políticos. Não faz nenhum sentido que seja a cor da pele a definir os direitos de cada um. Estes argumentos são expostos em “An Indian’s Looking Glass to the White Man”, através de um espelho metafórico que permite não só o branco ver o índio e o negro, como o índio e o negro verem o branco. Este espelho é o símbolo da igualdade, pois o espelho não escolhe quem vê quem, permitindo que todos se vejam uns aos outros, independentemente da sua cor de pele.
É no contexto industrial do Norte dos Estados Unidos que esta ideia de uma América cujos valores de união e igualdade superam preconceitos raciais e religiosos, ganha predominância. A literatura americana formula, na primeira metade do século XIX, aquelas que vão ser as bandeiras da União na Guerra Civil dos anos 60. Está presente em todos estes autores um espírito revolucionário, indicador de mudança. E é a forma como a América é retratada por estes autores do Norte que os distingue dos movimentos artísticos do Sul, seus contemporâneos, sendo o mais importante o da pintura, que retrata a América das grandes planícies, rejeitando por completo a industrialização e o Norte. Emerson, por outro lado, neste excerto de “The Poet” glorifica simultaneamente “the northern trade, the southern planting”, estabelecendo assim a sua diferença relativamento aos autores, de cor local, do Grande Sul: a ideia da América como um todo, uno na diferença.

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