Monday 2 October 2023

Para 12 de outubro: propostas de leitura para "Wakefield" de Hawthorne.

 Vamos iniciar-nos na ficção oitocentista com o género conto. Responda a uma ou mais das seguintes questões:

1. Esta citação provém da recensão de Poe a "Twice-Told Tales" de Hawthorne, comentando o conto enquanto género nascente. Poderá, por isso, avaliá-la à luz de "Wakefield".

[T]he tale has a point of superiority over the poem. In fact, while the rhythm of this latter is an essential aid in the development of the poem's highest idea — the idea of the Beautiful — the artificialities of this rhythm are an inseparable bar to the development of all points of thought or expression which have their basis in Truth. But Truth is often, and in very great degree, the aim of the tale. Some of the finest tales are tales of ratiocination. Thus the field of this species of composition, if not in so elevated a region on the mountain of Mind, is a table-land of far vaster extent than the domain of the mere poem. Its products are never so rich, but infinitely more numerous, and more appreciable by the mass of mankind." 

(Poe, "A Review of Twice-Told Tales", 1842, p. 1526 do texto)

2. Caracterize o narrador de "Wakefield" e o que a sua focalização pode ou não fazer à impressão que temos do protagonista e da personagem da sua mulher. Dê exemplos textuais.





11 comments:

Natalia gonçalves said...

*correção das citações*
O narrador em terceira pessoa onisciente permite que o leitor tenha uma visão externa e objetiva das ações de Wakefield. Isso pode criar uma impressão de distância emocional em relação ao protagonista, visto que o narrador não entra profundamente nos pensamentos e sentimentos de Wakefield ("His poor brains being hopelessly puzzled with this dilemma, he at length ventures out, partly resolving to cross the head of the street, and send one hasty glance towards his forsaken domicile."). Como resultado, o leitor pode sentir uma certa estranheza em relação ao protagonista, que toma a decisão incomum de se afastar de sua vida por um longo período sem uma razão aparente.
Esta narrativa na terceira pessoa, embora faça uma descrição detalhada dos acontecimentos, não permite que o leitor entre plenamente na mente de Wakefield e compreenda os seus motivos. Isso pode fazer com que o leitor veja Wakefield como um personagem misterioso e talvez egoísta, visto ele escolher abandonar a sua vida sem uma explicação ("What sort of a man was Wakefield? We are free to shape out our own idea, and call it by his name. (...) He was intellectual, but not actively so; his mind occupied itself in long and lazy musings, that ended to no purpose, or had not vigor to attain it; his thoughts were seldom so energetic as to seize hold of words.").
Quanto à personagem da esposa de Wakefield, a narrativa em terceira pessoa também a mantém distante emocionalmente do leitor. ("She, Whithout having analyzed his character, was partly aware of a quiet selfishness, that had rusted into his inactive mind") A esposa é descrita como alguém que segue em frente com sua vida após a partida de Wakefield, mas o leitor não obtém uma compreensão completa dos seus sentimentos ou reações à ausência deste.

Catarina Pinheiro said...
This comment has been removed by the author.
Sofia Fialho said...

2. "Wakefield" é um conto escrito por Nathaniel Hawthorne e publicado em 1835. O narrador desta história é como se fosse um observador distante e omnisciente que relata os eventos que envolvem o protagonista, Mr. Wakefield. O narrador não está diretamente envolvido na história, mas tem acesso aos pensamentos e ações de Mr. Wakefield, fornecendo perceções sobre os seus sentimentos. No entanto, o narrador mantém uma certa distância emocional e não julga explicitamente as ações do protagonista.
A focalização do narrador em "Wakefield" contribui para criar uma impressão ambígua do protagonista e da sua esposa. Por um lado, o narrador permite-nos entender os motivos de Wakefield para se afastar da sua esposa e observar a sua vida de longe, procurando uma sensação de liberdade e autonomia. "Imagination, in the proper meaning of the term, made no part of Wakefield's gifts. With a cold but not depraved nor wandering heart, and a mind never feverish with riotous thoughts, nor perplexed with originality, who could have anticipated that our friend would entitle himself to a foremost place among the doers of eccentric deeds?”. Através desta passagem textual é evidenciada a ideia de que a falta de imaginação de Wakefield pode ter contribuído para a ausência do mesmo,uma vez que ele não estava preocupado com as consequências das suas ações. Por outro lado, o narrador também destaca a natureza egoísta e obsessiva de Wakefield ao abandonar a sua esposa por tanto tempo sem dar explicações. Isto faz com que os leitores questionem as suas ações e o caráter de Wakefield.
O narrador de "Wakefield" é um narrador na terceira pessoa que apresenta uma perspectiva externa e observadora da vida de Mr. Wakefield. Esta escolha narrativa permite que o leitor veja Wakefield como um homem misterioso e enigmático, cujas ações são difíceis de compreender completamente. Por exemplo, no início do conto, o narrador descreve como Wakefield subitamente decide deixar a sua esposa por um tempo sem dar explicações claras: “The wedded couple lived in London. The man, under pretence of going a journey, took lodgings in the next street to his own house, and there, unheard of by his wife or friends, and without the shadow of a reason for such self-banishment, dwelt upwards of twenty years”.
Relativamente à personagem da esposa de Wakefield, é utilizada a terceira pessoa. O narrador também a descreve principalmente a partir de uma perspectiva mais superficial. Embora saibamos que ela está preocupada com o desaparecimento do seu marido, o narrador não nos permite entrar nos seus pensamentos mais profundos ou emoções. Nesta passagem conseguimos perceber que ela está preocupada com o seu desaparecimento, apesar de agir de maneira alegre e animada “and the broad waist form an admirable caricature,which dances”,o que pode estar relacionado com a forma como ela está a lidar com a situação ("Pausing near the house, Wakefield discerns, through the parlor windows of the second floor, the red glow, and the glimmer and fitful flash of a comfortable fire. On the ceiling appears a grotesque shadow of good Mrs. Wakefield. The cap, the nose and chin, and the broad waist form an admirable caricature, which dances, moreover, with the up-flickering and down-sinking blaze, almost too merrily for the shade of an elderly widow." )
No entanto, a esposa de Mr.Wakefield tem consciência de algumas características mais particulares do seu marido,como, por exemplo, o seu egoísmo tranquilo “quiet selfishness” ,a sua vaidade “of a peculiar sort of vanity" e, por fim o seu comportamento estranho “of what she called a little strangeness”.
Em conclusão, a focalização do narrador em "Wakefield" permite-nos ter uma compreensão mais profunda das personagens e das suas motivações ao mesmo tempo que nos permite manter uma certa distância crítica. Essa abordagem narrativa contribui para a complexidade e o mistério da história, deixando espaço para interpretações variadas e discussões sobre as ações e motivações das personagens.

Catarina Pinheiro said...

(parte 1/2)
O narrador de “Wakefield” é heterodiegético, narrando a história sobretudo na terceira pessoa. Visto que não participa na história que está a narrar, adota um ponto de vista exterior aos acontecimentos («At that moment his face was turning on the pivot»). Embora não adote o ponto de vista de um dos intervenientes da narrativa, não omite a sua presença. Sabemos que é alguém que encontrou uma história num velho jornal da qual só recorda os contornos («the outline»), acolhendo o leitor nessa “viagem” «trusting that there will be a pervading spirit and a moral (...) condensed into the final sentence», o que coloca em evidência os mecanismos de construção do próprio conto desde o primeiro momento. Nesse sentido, poderíamos argumentar que o narrador constitui uma personagem do conto que narra uma história (a de Wakefield) dentro de uma história (um homem que procura contar a história de Wakefield), posicionando-se como única testemunha ocular dos acontecimentos («No mortal eye but mine has traced thee»). No entanto, quando consideramos a narrativa de Wakefield, essa hipótese fica mais fragilizada pelo facto de o narrador ser omnisciente, tendo acesso ao interior das personagens, aos seus pensamentos, o que está patente em passagens como esta — «In her many musings, she surrounds the original smile with a multitude of fantasies(...)». O narrador tem, assim, a perspetiva habitual de um “deus todo poderoso” o que não aconteceria se fosse uma personagem como as outras e que, na verdade, sabemos que é possibilitado pela imaginação, como o próprio explicita no começo do conto. O recurso à primeira pessoa do plural («But our business is with the husband») acaba por ser apenas um artifício de linguagem, de que também faço uso neste texto, para criar uma maior proximidade com o leitor, conduzindo-o pelos acontecimentos.
Concentremo-nos então no modo como a focalização adotada pelo narrador influencia a impressão que temos do protagonista e da sua mulher. A focalização externa omnisciente permite um conhecimento mais rico das personagens e dos seus desejos e motivações conscientes e inconscientes, o que nos possibilita compreender melhor as suas ações e, ao mesmo tempo, circunscreve as possíveis leitura das mesmas. Sabemos, por exemplo, que a mulher de Wakefield já teria alguma consciência de um traço egoísta no carácter do marido — «She, without having analized his character, was partially aware of a quiet selfishness (...) of a peculiar sort of vanity (...) —, embora o considere um «good man», o que não só desvenda a personalidade do protagonista, como talvez ajude a explicar a natureza da relação de ambos, que mesmo à distancia, se mantêm fieis (na conceção do narrador), e a aparente resignação, embora triste, com que a mulher aceita o seu papel de viúva e com que (supomos) o aceita de volta vinte anos mais tarde.
Relativamente ao protagonista, temos acesso aos seus diálogos consigo mesmo («Wakefield! Wakefield! You are mad!), bem como aos seus pensamentos e estados de espírito («Right glad is his heart, though his brain be somewhat dizzy») que permitem traçar um perfil de alguém que é “fraco de espírito” o que se traduz sobretudo na sua passividade e egoísmo. Os comentários do narrador («Go quietly to thy bed you foolish man») condicionam a construção desse perfil psicológico e acabam por influir no julgamento, a meu ver, negativo, que fazemos da conduta da personagem, apesar de não deixarmos de sentir alguma empatia por Wakefield («appeals to the generous sympathies of mankind») e pelo seu desejo de escape. Contudo, fica-se com a sensação de que o protagonista e as suas ações permanecem um mistério.

Catarina Pinheiro said...

(parte 2/2)
Assim como não é possível cada um de nós “conhecer-se a si mesmo” nem aos outros totalmente, embora tenhamos um acesso privilegiado ao conhecimento do interior das personagens, este nunca é total. Não ficamos a saber realmente porque Wakefield abandonou a sua casa nem exatamente porque regressou, embora o narrador recorra a traços de carácter («a feeble-minded man») e circunstancias para justificar estas ações («unpremeditated moment»). No final, o narrador define um limite de atuação («We will not follow our friend across the threshold») o que pode evocar as suas limitações naturais enquanto alguém que conta uma história, bem como os limites do próprio conhecimento (de si mesmo e dos outros). Os mesmos que não permitem ao protagonista ter consciência da mudança que se deu em si («Yet, changed as he was, he would seldom be conscious of it, but deem himself the same man as ever (..)») quando escolheu “exilar-se” da sua vida familiar e tornar-se «The Outcast of the Universe».

Mariana Gonçalves said...

“Wakefield”, um conto escrito por Hawthorne em 1835, revela-nos a história de Mr. Wakefield, que, um dia, decide largar a sua vida e viver durante vinte anos sem que ninguém saiba onde ou como se encontra, estando ele apenas a uma rua de distância da sua velha casa.
O narrador de “Wakefield” é um narrador heterodiegético que nos dá a conhecer os acontecimentos desta história sem ser parte dela ou, até mesmo, saber o que na verdade aconteceu, sendo que ele próprio apenas tem um conhecimento vago da mesma – aquilo que leu num jornal (“In some old magazine or newspaper I recollect a story told as truth, of a man […] who absented himself for a long time from his wife. […] This outline is all that I remember.”)
É um narrador que tenta aproximar-se do leitor, dirigindo-se a ele como se fossem já conhecidos, sem nunca nos deixar conhecer verdadeiramente aquilo que se passa na mente de Mr. Wakefield ou da sua mulher, que durante todo o conto estão distantes de nós, sendo as suas motivações e pensamentos um mistério. Sendo uma espécie de figura omnipresente e omnisciente, o narrador segue Wakefield através do desenrolar do conto como se tivesse estado presente junto ao personagem no decorrer dos eventos (“We must hurry after him along the street, ere he lose his individuality, and melt into the great mass of London.”), mas, contrariando esta essência de “presença que tudo vê”, na verdade, pouco nos revela, apresentando a informação através de suposições por si pensadas em vez da realidade dos factos – que também ele desconhece (“What sort of man was Wakefield? We are free to shape out our own idea, and call it by his name.”; “Only the wife of his bosom might have hesitated”; “Let us now imagine Wakefiled bidding adieu to his wife.”).
Por isto mesmo, o narrador faz com que o nosso entendimento de Mr. Wakefield e da sua mulher seja algo distante do real, não entregando todas as peças para que possamos concluir o quebra-cabeças destas duas personagens. Os motivos de toda esta aventura de Mr. Wakefield permanecem desconhecidos (“The vagueness of the project, and the convulsive effort with which he plunges into the execution of it, are equally characteristic of a feeble-minded man.”), e os sentimentos da sua mulher sobre tudo o que se passou também – sabemos que ela ficou preocupada (“Well twice or thrice has she passed before his sight, each time with a heavier step, a paler cheek, and more anxious brow; […]”) mas não o que pensa do desaparecimento do marido ou o que sentiu nos vinte anos seguintes após essa preocupação inicial. A própria relação entre os dois deixa uma sensação de incompleto, sendo que não chega a ser explicado o que realmente estes personagens sentem um pelo outro ou como funciona a sua dinâmica enquanto casal. Ao narrar numa terceira pessoa, que segue os personagens quase como uma câmara faria, sem nos dar garantias do que realmente aconteceu ou que se passava na cabeça de Wakefield e da sua mulher, o narrador do conto afasta o leitor destes personagens, ficando este sem saber se acreditar naquilo que ele conta e sem entender verdadeiramente os personagens.

Margarida Ramirez said...

O narrador sugere que façamos um exercício criativo com o objetivo de encontrar uma razão para o que o personagem fez, assim como encontrar uma moral para esta história.
Neste exercício narrativo a que se propõe, vai alterando entre uma postura mais descritiva, com fases em que fala diretamente para a personagem Wakefield, fazendo avisos ou dando conselhos, utilizando d imperativo.
Além disso, tem momentos de "meta-narração", em que explica ao leitor o que está a fazer (ex.: "would that I had a folio to write, instead of an article Now for a scene!").

Esta focalização permite dar alguma vida e corpo àquelas frases por ele lidas na revista.
No entanto, parece-me que a gestão limitada da informação que o narrador faz, permite manter algum mistério em torno das personagens. O facto de o narrador não nos dar toda a informação acerca das razões pelas quais o personagem principal toma uma decisão tão fora do comum, afasta-nos do mesmo, negando à partida uma possível empatia. Há qualquer coisa que não nos faz conectar totalmente com ambos, colocando-os num plano distante.

Mr. Wakefield é caraterizado como sendo alguém constante, calmo, reflexivo e daí que o narrador se mostre surpreendido com esta decisão. A relação do narrador com esta personagem fá-lo parecer insignificante e pouco astuto. Para isto concorre o facto de o narrador o encontrar "comfortably established" sem nenhum alarido à sua volta e fazer a seguinte consideração: "Poor Wakefield! Little knowest thou thine own insignificance in this great world!". Também o facto de lhe ir dando conselhos mostra condescendência sobre a personagem principal ("Wakefiel! Wakefield! You are mad!").

Apenas a sua mulher, Mrs. Wakefield, poderia desconfiar que o marido estaria prestes a fazer esta loucura. O que faz dela uma mulher perspicaz. Além disso, ela parece ser forte e calma, já que espera serenamente pelo regresso do seu marido todos aqueles anos. É também alegre, já que no final surge a dançar "almost too merrily for the shade of an elderly widow".

Embora entenda que esta é a designação mais adequada, deixo uma pergunta: podemos efetivamente chamar a este narrador de omnisciente se é ele, explicitamente, que cria e dá forma aos acontecimentos narrados e às personagens envolvidas?

André Sousa said...

O narrador de "Wakefield" é um observador externo que relata a história de Mr. Wakefield. Ele não é um personagem ativo na trama, mas sim um contador de histórias que tem acesso aos pensamentos e ações do protagonista. O narrador é omnisciente, conhecendo os eventos tanto na casa de Wakefield quanto nos pensamentos de sua esposa.
A focalização do narrador em "Wakefield" desempenha um papel importante na formação da impressão que temos do protagonista e de sua esposa. A narrativa em terceira pessoa omnisciente permite-nos entrar nas mentes das personagens, dando uma compreensão mais profunda de seus sentimentos e motivações.
Por exemplo, antes de Wakefield se afastar de sua esposa, o narrador menciona uma mudança na mente de Wakefield pensada pela esposa sem esta o ter analisado ou perguntado se algo estava errado:
“She, without having analyzed his character, was partly aware of a quiet selfishness, that had rusted into his inactive mind; of a peculiar sort of vanity, the most uneasy attribute about him; of a disposition to craft which had seldom produced more positive effects than the keeping of petty secrets, hardly worth revealing; and, lastly, of what she called a little strangeness, sometimes, in the good man. This latter quality is indefinable, and perhaps non-existent”

Inês Mendes said...

Em “Wakefield”, de Nathaniel Hawthorne, o narrador é heterodiegético, uma vez que não participa na ação e apenas a narra dum ponto de vista externo (”I recolect a story, told as truth, of a man”). Porém, este não se distancia por completo da ação ao comentar e expor as suas opiniões sobre o que narra, o que o torna num narrador subjetivo (”Howbeit, this, though far from the most aggravated, is perhaps the strangest, instance on record, of marital delinquency”).

Além disso, o narrador não é completamente fidedigno; no início da história, ele mesmo confessa apenas se recordar dos contornos desta (”In some old magazine or newspaper I recollect a story, told as truth, of a man”; “This outline is all that I remember”), e por isso o leitor entende já que o conto é narrado através da memória do narrador, não sendo, assim, possível corroborar toda a informação que o leitor recebe.

Deste modo, o leitor é, desde o início, manipulado e influenciado pelas ideias do narrador, acima de tudo acerca das personagens. Por não ter uma posição omnisciente relativamente ao protagonista e a sua mulher, especula os seus pensamentos e os seus motivos e até as suas atitudes, o que cria um certo distanciamento entre as personagens e o leitor, ao mesmo tempo que aproxima este último do narrador (”She would fain inquire the lenght of his journey, its object, and the probable time of his return; but, indulgent to his harmless love of mystery, interrogates him only by a look.”).

Não é claro o motivo da aventura de Mr. Wakefield, assim como a relação entre o casal não é bem definida pelo narrador, o que dá ao conto um tom vago e incompleto. Assim, a focalização do narrador em “Wakefield” incumbe ao leitor de analisar e fazer as suas próprias conjeturas sobre as personagens, uma vez que os factos narrados não são incontestáveis.

Beatriz Rego de Brito said...

Em “Wakefield”, de Nathaniel Hawthorne, o narrador relata a história do “Mr. Wakefirld”, daí surge o nome do conto. O narrador é heterediegético uma vez que narra a ação externamente (”I recolect a story, told as truth, of a man”) e que, embora não participar na ação, é omnisciente, uma vez que este tem acesso aos sentimentos e pensamentos das personagens, e.g. quando descreve a inquietação da mulher de Wakefield ao ter consciência de um traço egoísta no carácter do marido: “She, without having analyzed his character, was partly aware of a quiet selfishness, that had rusted into his inactive mind; of a peculiar sort of vanity, the most uneasy attribute about him; of a disposition to craft which had seldom produced more positive effects than the keeping of petty secrets, hardly worth revealing; and, lastly, of what she called a little strangeness, sometimes, in the good man. This latter quality is indefinable, and perhaps non-existent”.
No que toca à impressão que temos ao protagonista e à sua mulher dependendo da focalização do narrador, até que ponto podemos afirmar que os sentimentos que o narrador narra são, de todo, autênticos? O efeito desta narração em terceira pessoa pode, ao meu ver, levar com que o leitor se distancie da personagem principal e da sua mulher, uma vez que não temos acesso a uma narração direta dos acontecimentos por parte deles mesmos. Aliás, esta incerteza fica ainda mais saliente logo no início, onde o próprio narrador admite que apenas se recorda de algumas partes da história que narra: (”In some old magazine or newspaper I recollect a story, told as truth, of a man”; “This outline is all that I remember”), dando a ideia que estamos inseridos na memória do narrador. Em contrapartida, apesar de nos distanciarmos das personagens, acabamos (nós, leitores) por sentir uma certa aproximação do narrador, uma vez que estamos a ler o seu ponto de vista sendo que este conta-nos a história de uma forma subjetiva e contestável, abrindo possibilidades (tendo em conta que não fomos inconscientemente arrastados e influenciados pela interpretação do leitor) para outras interpretações.


Ana Luísa Pinto said...

O narrador de "Wakefield" desempenha um papel crucial na forma como a história é contada e na compreensão dos personagens principais, especialmente do protagonista e da sua esposa. Ele é observador e onisciente, pois conhece os pensamentos e sentimentos deles, oferecendo-nos assim uma visão mais clara e complexa dos dois. ("It is said that, around the year 1729, a Mr. Edward Wakefield, a merchant or insurance agent, coming from some part of the city of London, settled in one of the suburbs of Providence, Rhode Island.")
O seu foco está contudo, quase exclusivamente em Wakefield, já que a história é contada do ponto de vista dele, mesmo que o próprio Wakefield não seja o narrador. Essa focalização, juntamente com a onisciência do narrador, permite um envolvimento instantâneo do leitor com as experiências e ações do protagonista e uma maior compreensão da complexidade da sua mente. Permite-nos sentir empatia por ele ou sermos críticos em relação às decisões que toma, com foco no seu afastamento repentino de casa.
O narrador é imparcial, deixando ao leitor a tarefa de interpretar as ações do personagem. ("Whatever may have been his motive (that is not ours to examine), he departed, in sight of his own house, and lurked about for several days in some concealment.") Essa neutralidade cria espaço para diversas interpretações sobre as razões por trás do seu estranho comportamento, o que torna a leitura mais interessante e intrigante.
Ao contrário de como faz com Wakefield, o narrador não nos dá uma interpretação direta da esposa do protagonista. Em vez disso, ela é retratada principalmente através da perspectiva de Wakefield, baseando-se nos seus pensamentos e percepções pessoais. Isso cria uma representação indireta e ambígua em relação aos sentimentos e reações dela face ao seu desaparecimento. ("At first, Wakefield's wife was not conscious of his absence.")
Todas estas características juntas criam uma atmosfera misteriosa e reflexiva da história, levando o leitor a questionar as motivações de Wakefield e a considerar as complexidades dos seus relacionamentos e pensamentos.