Visto que dia 6 de Maio é a última Terça-feira antes da interrupção, seria bom que houvesse alunos cheios de energia que aparecessem às 8h00 com propostas para a continuação dos trabalhos (ou, caso indisponíveis, me contactassem por email). Para já, tenho duas "ofertas":
- Sojourner Truth: à semelhança do trabalho feito com Apess (e, idealmente em comparação com este), estudar as marcas retóricas do sermão e do endoutrinamento religioso que transparecem no estilo desta autora
- Lydia Maria Child: estudar, em "Slavery's Pleasant Homes", de que forma a história tematiza, equiparando e contrastando, a situação dos escravos e a situação da mulher no século XIX, problematizando a família como esteio da sociedade americana.
Não se acanhem. Tragam outras sugestões.
Tuesday, 29 April 2008
Perguntas propostas para o debate de Sexta-feira, sobre Melville e Bartleby (post de Maria Madalena Filipe)
Para Francisco Luís Parreira
1. Se Bartleby representa o abandono, a pobreza, os indefesos e sem esperança e Brodsky o oportunismo, o mundo laboral, o capitalismo, e tudo o resto que caiba nesta descrição, qual é o papel desempenhado por Drummond? A sua aparente generosidade e preocupação tornam-no a personagem mais próxima do Bartleby, mas os seus receios, justificações, as suas fugas e cautelas vendem-no ao lado oposto…
2. Que peso simbólico tem a parede física e abstracta (Wall Street). Traduz a impotência e condenação de que Bartleby sofre? O biombo assume no texto dramático também alguma relevância. A que se deve isso? E por fim o busto de Cícero. Porque é que se apresenta tão querido ao Drummond quando contrasta tanto com o seu modo de vida?
3. Porque é que decidiu transpor o episódio das "cartas perdidas" para a altura em que Bartleby está preso? O que estaria na origem do seu comportamento no escritório?
4. Qual a importância do nome do carcereiro e porque lhe é atribuído um discurso mais eloquente do que seria usual?
5. Quem ou o que é que Turkey representa com as suas manifestações de raiva perante a inércia de Bartleby no final? Qual é o papel de cada escrivão? Porque é que lhes atribui menos relevância do que o texto original?
6. Porque segue um caminho diferente para o desfecho da história, isto é, qual o sentido de Bartleby não morrer na prisão e em vez disso voltar para o escritório?
7. Existe relação entre a última frase do texto dramático ("Qual será o nosso vidro, caro senhor?") e a do texto original ("Ah Bartleby! Ah humanity!")?
8. Porque é que escolheu interpretar a personagem Brosky? Nada melhor do que utilizar palavras suas para caracterizar a linha de pensamento: "O homem é agora menos que ele mesmo e o tropo do trabalho expõe essa redução metafísica do homem ao órgão". De que forma é que isso se apresentou como um desafio?
Para Rute Beirante
1. A escolha que Melville faz da profissão de Bartleby ao criar o enredo da história encontra a sua importância em que características deste trabalho? O método, a monotonia, o pouco reconhecimento?
2. Como é que as respostas de Bartleby a dada altura, são uma resposta para a vida dele? Como é que são uma resposta para a vida dos demais que convivem com ele?
3. Porque é que Bartleby, mais do que incómodo, provoca frustração, impotência e principalmente medo nos que o rodeiam?
4. O que é que significa a sua persistência?
5. Porque é que as "Dead Letters" têm um impacto tão grande na sua vida? Como é que essa experiência justifica o seu comportamento?
6. Bartleby representa a humanidade (decadente?) ou um sector da sociedade indefeso?
1. Se Bartleby representa o abandono, a pobreza, os indefesos e sem esperança e Brodsky o oportunismo, o mundo laboral, o capitalismo, e tudo o resto que caiba nesta descrição, qual é o papel desempenhado por Drummond? A sua aparente generosidade e preocupação tornam-no a personagem mais próxima do Bartleby, mas os seus receios, justificações, as suas fugas e cautelas vendem-no ao lado oposto…
2. Que peso simbólico tem a parede física e abstracta (Wall Street). Traduz a impotência e condenação de que Bartleby sofre? O biombo assume no texto dramático também alguma relevância. A que se deve isso? E por fim o busto de Cícero. Porque é que se apresenta tão querido ao Drummond quando contrasta tanto com o seu modo de vida?
3. Porque é que decidiu transpor o episódio das "cartas perdidas" para a altura em que Bartleby está preso? O que estaria na origem do seu comportamento no escritório?
4. Qual a importância do nome do carcereiro e porque lhe é atribuído um discurso mais eloquente do que seria usual?
5. Quem ou o que é que Turkey representa com as suas manifestações de raiva perante a inércia de Bartleby no final? Qual é o papel de cada escrivão? Porque é que lhes atribui menos relevância do que o texto original?
6. Porque segue um caminho diferente para o desfecho da história, isto é, qual o sentido de Bartleby não morrer na prisão e em vez disso voltar para o escritório?
7. Existe relação entre a última frase do texto dramático ("Qual será o nosso vidro, caro senhor?") e a do texto original ("Ah Bartleby! Ah humanity!")?
8. Porque é que escolheu interpretar a personagem Brosky? Nada melhor do que utilizar palavras suas para caracterizar a linha de pensamento: "O homem é agora menos que ele mesmo e o tropo do trabalho expõe essa redução metafísica do homem ao órgão". De que forma é que isso se apresentou como um desafio?
Para Rute Beirante
1. A escolha que Melville faz da profissão de Bartleby ao criar o enredo da história encontra a sua importância em que características deste trabalho? O método, a monotonia, o pouco reconhecimento?
2. Como é que as respostas de Bartleby a dada altura, são uma resposta para a vida dele? Como é que são uma resposta para a vida dos demais que convivem com ele?
3. Porque é que Bartleby, mais do que incómodo, provoca frustração, impotência e principalmente medo nos que o rodeiam?
4. O que é que significa a sua persistência?
5. Porque é que as "Dead Letters" têm um impacto tão grande na sua vida? Como é que essa experiência justifica o seu comportamento?
6. Bartleby representa a humanidade (decadente?) ou um sector da sociedade indefeso?
Sunday, 27 April 2008
Caracterização do narrador de "The Pit and the Pendulum" (post de Regina Araújo)
O narrador mostra-nos que está em delírio e, à medida que se estende no seu relato, expressões como “it seemed”, “it might” e “I supposed” identificam a sua instabilidade. A fraca luz, o longo sofrimento e o seu estado entre a fraca capacidade mental e a lucidez fazem-no duvidar de si mesmo, o que transparece com a constante mudança da percepção deste narrador relativamente ao espaço em que se encontra, com as diferentes interpretações que faz acerca do que o rodeia. Durante um momento de lucidez, afirma: “In its size I had been greatly mistaken” e, mais à frente, diz “All this I saw indistinctly and by much effort – for my personal condition had been greatly changed during slumber”. Altera a ideia inicial de que se encontrava numa cela (dungeon) para um espaço com um poço (pit), “I put forward my arm, and shuddered to find that I had fallen at the very brink of a circular pit”. Mais tarde, ao olhar para cima, repara numa pintura representativa do tempo, mais precisamente um pêndulo (“it was the painted figure of Time as he is comonly represented, save that, in lieu of a scythe, he held what, at a casual glance, I supposed to be the pictured image of a huge pendulum, such as we see on antique clocks”). Porém, encontrava-se em movimento (“I fancied that I saw it in motion”).
Apesar do sofrimento e do medo, continua esperançoso (“even in the grave all is not lost”, o que também significa que este narrador acredita na imortalidade) e conclui que a sua única salvação serão os ratos. O episódio em que os ratos roem a espécie de mortalha a que o narrador se acha preso é forçadamente macabro, e representa graficamente a nevropatia deste narrador (com os nervos também roídos) Apesar de ter escapado ao poço (pit) e ao pêndulo (pendulum), a sua verdadeira salvação é feita por General Lasalle.
O narrador considera-se um idiota. “Long suffering had nearly annihilated all my ordinary powers of mind. I was an imbecile – an idiot”. Ao ter consciência da sua pouca capacidade mental, ao alterar as suas descrições, corrigindo-se constantemente. Consequentemente, não é fidedigno, não é seguro no seu relato, é instável.
Relativamente à relação estabelecida com o leitor, apesar de se notar o esforço típico de Poe de criar o suspense que prenda à leitura, não existem invectivas explícitas ao narratário. Toda a história é relatada na primeira pessoa, como se estivesse a ser-nos contada directamente. De notar, porém, um elo de empatia estabelecido entre autor e o leitor, quando diz: “Arousing from the most profound of slumbers, we break the gossamer web of some dream”.
(ilustração de Dan Rucker)
Tuesday, 22 April 2008
Aqui têm o poema na íntegra, com as desculpas da gerência por ter ficado truncado nas fotocópias. A imagem que o acompanha é da autoria de Filipe Abranches.
The Raven
Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
" 'Tis some visiter," I muttered, "tapping at my chamber door —
Only this, and nothing more."
Ah, distinctly I remember it was in the bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow; — vainly I had tried to borrow
From my books surcease of sorrow — sorrow for the lost Lenore —
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore —
Nameless here for evermore.
And the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled me — filled me with fantastic terrors never felt before;
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating
" 'Tis some visiter entreating entrance at my chamber door —
Some late visiter entreating entrance at my chamber door; —
This it is, and nothing more."
Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
"Sir," said I, "or Madam, truly your forgiveness I implore;
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
That I scarce was sure I heard you" — here I opened wide the door; —
Darkness there, and nothing more.
Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortal ever dared to dream before;
But the silence was unbroken, and the darkness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word, "Lenore!"
This I whispered, and an echo murmured back the word, "Lenore!"
Merely this, and nothing more.
Then into the chamber turning, all my soul within me burning,
Soon I heard again a tapping somewhat louder than before.
"Surely," said I, "surely that is something at my window lattice;
Let me see, then, what thereat is, and this mystery explore —
Let my heart be still a moment and this mystery explore; —
'Tis the wind, and nothing more."
Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately raven of the saintly days of yore;
Not the least obeisance made he; not an instant stopped or stayed he;
But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door —
Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door —
Perched, and sat, and nothing more.
Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore,
"Though thy crest be shorn and shaven, thou," I said, "art sure no craven,
Ghastly grim and ancient raven wandering from the Nightly shore —
Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore!"
Quoth the raven, "Nevermore!"
Much I marvelled this ungainly fowl to hear discourse so plainly,
Though its answer little meaning — little relevancy bore;
For we cannot help agreeing that no living human being
Ever yet was blessed with seeing bird above his chamber door —
Bird or beast upon the sculptured bust above his chamber door,
With such name as "Nevermore."
But the raven, sitting lonely on the placid bust, spoke only
That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing farther then he uttered — not a feather then he fluttered —
Till I scarcely more than muttered, "Other friends have flown before —
On the morrow he will leave me, as my hopes have flown before."
Quoth the raven, "Nevermore."
Startled at the stillness broken by reply so aptly spoken,
"Doubtless," said I, "what it utters is its only stock and store,
Caught from some unhappy master whom unmerciful Disaster
Followed fast and followed faster — so, when Hope he would adjure,
Stern Despair returned, instead of the sweet Hope he dared adjure —
That sad answer, "Nevermore!"
But the raven still beguiling all my sad soul into smiling,
Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird, and bust, and door;
Then upon the velvet sinking, I betook myself to linking
Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore —
What this grim, ungainly, ghastly, gaunt and ominous bird of yore
Meant in croaking "Nevermore."
This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
To the fowl whose fiery eyes now burned into my bosom's core;
This and more I sat divining, with my head at ease reclining
On the cushion's velvet lining that the lamp-light gloated o'er,
But whose velvet violet lining with the lamp-light gloating o'er
She shall press, ah, nevermore!
Then, methought, the air grew denser, perfumed from an unseen censer
Swung by angels whose faint foot-falls tinkled on the tufted floor.
"Wretch," I cried, "thy God hath lent thee — by these angels he hath sent thee
Respite — respite and Nepenthe from thy memories of Lenore!
Quaff, oh quaff this kind Nepenthe and forget this lost Lenore!"
Quoth the raven, "Nevermore."
"Prophet!" said I, "thing of evil! — prophet still, if bird or devil! —
Whether Tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate yet all undaunted, on this desert land enchanted —
On this home by Horror haunted — tell me truly, I implore —
Is there — is there balm in Gilead? — tell me — tell me, I implore!"
Quoth the raven, "Nevermore."
"Prophet!" said I, "thing of evil! — prophet still, if bird or devil!
By that Heaven that bends above us — by that God we both adore —
Tell this soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn,
It shall clasp a sainted maiden whom the angels name Lenore —
Clasp a rare and radiant maiden whom the angels name Lenore."
Quoth the raven, "Nevermore."
"Be that word our sign of parting, bird or fiend!" I shrieked, upstarting —
"Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spoken!
Leave my loneliness unbroken! — quit the bust above my door!
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!"
Quoth the raven, "Nevermore."
And the raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon that is dreaming,
And the lamp-light o'er him streaming throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor
Shall be lifted — nevermore!
Sunday, 20 April 2008
Ainda este texto, sobre a importância de "The Raven", num Romantismo que inicia a Modernidade
a historic crisis in romantic artistic creation. In hardly more than a moment, wherein the Raven symbolized for the imagination its reach toward a further understanding of the illusion of reality and the painful awareness of nothing on the 'other side' of reality, the symbolic perspective opened. (...) Then, all suddenly, the moment was gone; and Poe ended the poem (...) The symbol had, for a moment, been able to transform reality. Then the sensible world remained resistant; reality was very real (...) Between the jocular first question, 'Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore,' and the last question, the poetic imagination had caught fire and expressed the terror of self and even of non-being. But the factual world remained fact and chaos; and the shaping spirit had nothing more to do.
(Edward Davidson, Poe: A Critical Study. Cambridge: Harvard University Press, 1957, 91-92)
O Simbolismo Português e "The Raven" de Edgar Allan Poe
Em finais do século XIX, vários dos nossos poetas pareciam empenhados em "trocar impressões" sobre "The Raven" de Poe, implicando isso sucessivas metamorfoses de pombas e borboletas...
I. António Feijó, “In Amaritudine”
in Líricas e Bucólicas, 1884; repr. Poesias Completas, coord. J. Cândido Martins, Porto, Caixotim, 2004, 136-137.
Quando isto sucedeu estávamos em Julho.
Se às vezes me entristeço e com pesar vasculho
como um antiquário as noites na memória,
lembra-me com saudade esta singela história
que tanto me comove e nunca hei-de esquecer,
guardando-a como o noivo a imagem da mulher
que a Morte lhe roubou quase ao sair da igreja…
Fecho-a no coração, se a fantasia adeja
em distantes regiões esplêndidas e belas,
como uma incrustação de pérolas e estrelas!
Estávamos em Julho. Eu vivia na aldeia;
buscava a grande paz das árvores, tão cheia
d’angustias eu trazia a alma esfacelada!
Morávamos, então, numa casa arruinada,
num antigo solar cheio de musgo e d’hera,
que ao desamparo tinha essa expressão austera
dum fidalgo que morre unido à sua crença.
Do meu quarto avistava a perspectiva imensa
das montanhas azuis nos tons crepusculares,
e ali desafogava os meus cruéis pesares,
negros como um esquife e os panos duma essa.
A vida para mim era uma noite espessa,
o céu feito de chumbo e estrelas apagadas,
onde apenas ouvia as secas enxadadas
a cobrirem de terra as tábuas dum caixão…
Foi n’esse estado atroz que eu tive esta ilusão,
quando fitava imerso em tristes pensamentos
a cordilheira erguida a desafiar os ventos
no horizonte longínquo, ao pôr do sol glorioso.
Uma pomba d’aspecto ebúrneo e cetinoso
(choro se nesta ideia o espírito concentro)
a esvoaçar entrou pela janela dentro
do meu quarto; poisou sobre um estranho busto,
– vestígio que ficou d’algum artista augusto,
velha imagem, talvez, dum santo ou dum herói –
e as asas distendeu como o corvo de Poe
naquela solidão, cheia de um tédio amargo…
Ao vê-la despertei do místico letargo
em que a dor me lançou, profunda e silenciosa;
senti-me renascer, voltar à vida ociosa,
numa unção, numa paz, tão salutar, tão calma,
como quem vê florir a murcha flor da alma
e num momento esquece a angústia que o devora.
Nos dilúvios da mágoa a pomba foi a Aurora
e o arco da Aliança e o ramo da oliveira,
o talismã que prende a minha vida inteira,
que encerra toda a paz e um mundo em si contém…
Pomba! Serias tu, Alma de minha Mãe?
II. Alberto Osório de Castro, “Nocturno”
in Bohemia Nova, Coimbra, nº2, 15 de Fevereiro de 1889; repr. Obra Poética, vol. 1, coord. J. C. Seabra Pereira, Lisboa, INCM, 2004, 110-111.
I
Esta noite de Inverno hostil e dura,
Em meu quarto, horas mortas, religiosas,
Entrou, batendo as asas lutuosas,
Uma pequena borboleta escura.
II
Ergui os olhos do volume antigo
Que absorto lia, – um poema d’Alemanha.
Lá fora o vento n’uma fúria estranha
Lembrava os pobres que não têm abrigo.
III
Não sei por onde entrara a borboleta
E impressionou-me muito sobretudo
Ver a sua asa negra de veludo
De mim em torno esvoaçada e inquieta.
IV
Segui-lhe ansioso o voo intencionado…
Poisou-me enfim no coração, e logo
Com que a folha dum punhal em fogo
Me atravessou meu peito, lado a lado.
V
Choro convulso, involuntário a sigo…
Uma lembrança horrível me tortura!
Olho, não vejo a borboleta escura,
- Alma talvez d’algum dos meus em perigo!
5. António Nobre, “O Poeta, está, (deu meia-noite, agora)”
Publicado postumamente in Primeiros Versos, 1921; repr. António Nobre, Poesia Completa, coord. Mário Cláudio, Lisboa, Dom Quixote, 2000.
O Poeta, está, (deu meia-noite, agora),
Na sua Torre, só, lendo e fumando…
Batem à porta! Quem será a esta hora?
Passa uma escura borboleta, voando!
Agoiro. Alguma nova aterradora,
Algum despacho… Mas Joseph, entrando,
Antes que eu fale diz: Uma senhora,
Que me entregou este bilhete, ansiando.
Uma senhora! Com a mão gelada,
Nervoso, ansioso, pego da tarjeta
E leio: «Morte 3 rua do Nada».
Bem, Joseph! Podes-me ir fazendo a mala,
Porque, segundo as regras da etiqueta,
Não devo demorar muito em pagá-la…
Coimbra, 1889
Traduções portuguesas de "The Raven"
A imaem é uma “intradução" (tradução que pretende confundir-se e actuar na cultura de chegada) de Augusto de Campos, poeta brasileiro, 1992.
Esta tradução foi retirada do site http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/framepoe.htm?http%3A//paginas.terra.com.br/arte/PopBox/accorvo.htm, onde, no campo esquerdo, encontrarão várias outras versões para português, nomeadamente a de Fernando Pessoa e a minha. Assim, embora vos tenha enviado por mail o meu propósito de colocar essas duas traduções no blogue, julgo que é mais prático deixar só este link.
Monday, 7 April 2008
Aperitivo a Hawhtorne e Poe
Com Hawthorne e Poe, veremos dois momentos exponenciais de questionamento da assertividade do sonho americano, e crença no progresso quer do homem americano quer do homem em geral na possibilidade de um caminho de perfeição ou de religião (recordo, de religio - i. e. religação harmónica com o transcendente).
Ambos os autores foram influenciados pela literatura gótica europeia, inclusive situando na Europa algumas das suas ficções.
Mas há quem argumente que o "gótico americano" tem uma face própria.
A obra que aqui se apresenta foi realizada em 1930 por Grant Wood, tornando-se um dos quadros mais famosos da pintura americana. Chama-se "American Gothic". E a pergunta sobre que gostaria que especulassem durante esta semana é: porquê o título? que representa a imagem que possa justificá-lo?
Toca a comentar.
Sunday, 6 April 2008
Compare-se #2
O pensamento analógico expresso por Emerson no ensaio "Nature" (1836) com o famoso poema "Correspondances" que o poeta francês Charles Baudelaire publicou em Fleurs du Mal (1857)
CORRESPONDANCES
Charles Baudelaire
La Nature est un temple où de vivants piliers
Laissent parfois sortir de confuses paroles;
L`homme y passe à travers des forêts de symboles
Qui l´observent avec des regards familiers.
Comme de longs échos qui de loin se confondent
Dans une ténébreuse et profonde unité,
Vaste comme la nuit e comme la clarté,
Les parfums, les coulers et les son se répondent.
Il est des parfums frais comme des chairs d´enfants,
Doux comme les hautbois, verts comme les prairies,
_ Et d´autres, corrompus, riches et triomphants,
ayant l´expansion des choses infinies,
comme l´ambre, le musc, le benjoin et l´encens,
qui chantent les transports de l´esprit et des sens.
CORRESPONDÊNCIAS
A Natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam por sua vez ouvir uma língua confusa;
Nela, simbólicas florestas o homem cruza,
Atraindo, ao passar, amistosos olhares.
Como os ecos, ao longe, afinam seus rumores,
Em uma tenebrosa e profunda unidade,
Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade,
Correspondem-se os sons, os perfumes, e as cores.
Alguns perfumes têm da criança o frescor,
A maciez do oboé, das matas o verdor,
_ E ricos outros são, triunfantes, corrompidos,
Possuindo a expansão dessas coisas sem fim,
Tal como o incenso, o nardo, o sândalo, o benjoim,
Que cantam o fervor da mente e dos sentidos.
(Tradução de Cláudio Veiga)
Saturday, 5 April 2008
Compare-se
O repto que Emerson lança ao atrevimento individual para a formação do pensamento pessoal com este excerto de um prefácio ("Letter to B-", 1831), do contemporâneo Edgar Allan Poe.
"It appears then that the world judge correctly, why should you be ashamed of their favorable judgment?" The difficulty lies in the interpretation of the word "judgment" or "opinion." The opinion is the world's, truly, but it may be called theirs as a man would call a book his, having bought it; he did not write the book, but it is his; they did not originate the opinion, but it is theirs. A fool, for example, thinks Shakspeare a great poet — yet the fool has never read Shakspeare. But the fool's neighbor, who is a step higher on the Andes of the mind, whose head (that is to say his more exalted thought) is too far above the fool to be seen or understood, but whose feet (by which I mean his every day actions) are sufficiently near to be discerned, and by means of which that superiority is ascertained, which but for them would never have been discovered — this neighbor asserts that Shakspeare is a great poet — the fool believes him, and it is henceforward his opinion. This neighbor's own opinion has, in like manner, been adopted from one above him, and so, ascendingly, to a few gifted individuals, who kneel around the summit, beholding, face to face, the master spirit who stands upon the pinnacle. * * * *
You are aware of the great barrier in the path of an American writer. He is read, if at all, in preference to the combined and established wit of the world. I say established; for it is with literature as with law or empire — an established name is an estate in tenure, or a throne in possession. Besides, one might suppose that books, like their authors, improve by travel — their having crossed the sea is, with us, so great a distinction. Our antiquaries abandon time for distance; our very fops glance from the binding to the bottom of the title-page, where the mystic characters which spell London, Paris, or Genoa, are precisely so many letters of recommendation."
"It appears then that the world judge correctly, why should you be ashamed of their favorable judgment?" The difficulty lies in the interpretation of the word "judgment" or "opinion." The opinion is the world's, truly, but it may be called theirs as a man would call a book his, having bought it; he did not write the book, but it is his; they did not originate the opinion, but it is theirs. A fool, for example, thinks Shakspeare a great poet — yet the fool has never read Shakspeare. But the fool's neighbor, who is a step higher on the Andes of the mind, whose head (that is to say his more exalted thought) is too far above the fool to be seen or understood, but whose feet (by which I mean his every day actions) are sufficiently near to be discerned, and by means of which that superiority is ascertained, which but for them would never have been discovered — this neighbor asserts that Shakspeare is a great poet — the fool believes him, and it is henceforward his opinion. This neighbor's own opinion has, in like manner, been adopted from one above him, and so, ascendingly, to a few gifted individuals, who kneel around the summit, beholding, face to face, the master spirit who stands upon the pinnacle. * * * *
You are aware of the great barrier in the path of an American writer. He is read, if at all, in preference to the combined and established wit of the world. I say established; for it is with literature as with law or empire — an established name is an estate in tenure, or a throne in possession. Besides, one might suppose that books, like their authors, improve by travel — their having crossed the sea is, with us, so great a distinction. Our antiquaries abandon time for distance; our very fops glance from the binding to the bottom of the title-page, where the mystic characters which spell London, Paris, or Genoa, are precisely so many letters of recommendation."
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