Saturday, 31 May 2008

Simbolismo do Rio Mississipi em The Adventures of Huckleberry Finn (post de Fábio Teixeira)


Mark Twain foi um dos escritores mais importantes da literatura Norte-Americana do seu tempo. Entre os seus livros mais famosos contam-se The Adventures of Tom Sawyer e The Adventures of Huckleberry Finn, sendo este último alvo do nosso interesse, relacionado com o tema referido no título do post.

Samuel Langhorne Clemens, mais conhecido como Mark Twain, passou para este livro as suas vivências e os seus sentimentos. Uma das fases mais importantes foi quando começou a trabalhar como piloto de barcos no rio Mississipi. Essa paixão e sentimento vivido pela vida no rio, bem como o facto de em criança ter testemunhado a escravatura de perto, originaram a receita necessária para as ideias que estarão por detrás de uma obra como Huckleberry Finn. Devido aos conteúdos existentes nesta obra, toda a sua intriga foi acusada por muitos de racista, sobretudo por causa do emprego de linguagem considerada ofensiva. Por outro lado, também foi aclamada por outros como sendo anti-escravatura. As personagens principais desta história são Huckleberry Finn, Tom Sawyer e Jim. Huck tem apenas treze anos mas já tem alguma vivência e aparenta ser bastante inteligente devido ao facto de ter de se “desenrascar” para sobreviver. Tem as suas próprias ideias e aparenta representar aquilo que vai contra a norma da sociedade. Tom representa o oposto de Huck e realça aquilo que Huck não é, mostrando ser cumpridor de ordens, mais pelas aparências do que pela moralidade do seu comportamento, e altamente influenciado pelos livros de aventura que lê. Jim, amigo de Huck e companheiro de viagem ao longo do rio, é um escravo fugido de Miss Watson e bastante inteligente, ainda que a sua possa ser considerada uma inteligência alternativa devido ao seu conhecimento do mundo natural. Jim ajuda Huck nos momentos mais difíceis da sua vida, comprovando aquilo que Twain pretende passar sobre as relações entre seres humanos.
Nessa relação entre os dois amigos podemos encontrar simbolicamente a ideia de liberdade transmitida pelas viagens dos mesmos pelo rio. Para eles o rio significava isso mesmo, liberdade, não tendo de responder perante ninguém. Podemos encontrar nesta liberdade um sentimento muito americano e até idealista sobre o rio Mississipi, e as peripécias dos dois amigos ao longo das suas jornadas pelo rio demonstram, assim, o simbolismo e o sentimento transmitido pela história.

Saturday, 17 May 2008

"Slavery's Pleasant Homes" de Lydia Maria Child (post de Ricardo Sérgio)


Muitos, nos estados do Sul, chamavam à escravatura a “instituição patriarcal”. Nela, mulheres, crianças, escravos, gado e terras eram apenas objectos cuja propriedade pertencia ao homem, branco. As senhoras do sul são produto de um sistema social que as reduzia a escravas num harém. “The bride had been nurtured in seclusion, almost as deep as that of the oriental harem”. A mulher era por parte do homem remetida a um estado de confinamento em que todas as relações dela se limitavam a ele. É Frederic que tem o acesso exclusivo a Marion, e que o tenta ter em relação a Rosa.
Marion e Rosa foram criadas juntas como irmãs, mas, no entanto, o facto de uma ser propriedade da outra mina qualquer sentimento mais intimo que possam ter. “...and soon as the little white lady could speak she learned to call Rosa her slave”. Marion, concebida ela própria para ser uma figura ornamental, vai tornar Rosa num seu objecto: “...and loved to decorate her with jewels”. Na verdade a maioria dos escravos não teria acesso a ornamentos de ouro, mas baseando-se na convenção romântica e tentando que o leitor branco se aproxime da escrava Rosa, Child atribui a Rosa um “small heart and cross of gold”, oferecido pelo amante George, e pressagiando já um amor crucificado, um final trágico.
Mas mais importante, Rosa é retratada por Child como a mulher ideal: fisicamente robusta, em contraste com Marion frágil e delicada, e moralmente pura. Essa pureza moral e espiritual é necessária e própria das concepções de feminilidade do século XIX. Rosa prefere morrer a suportar abusos. Essa forma de retratar a escrava com uma feminilidade mais recatada normalmente reservada à mulher branca era incomum na literatura da época. Os corpos dos escravos eram corpos públicos e expostos, usados como força de trabalho e suportando castigos. O corpo do escravo assume quase o estatuto de texto, na medida em que muitas vezes nele podem ser lidos todos os abusos suportados.
Child faz de Rosa uma vitima e nisso segue as narrativas masculinas sobre a escravatura em que as mulheres são sempre vistas como vítimas. Rosa é vítima de Frederic mas também de Marion, quando esta dirige sobre ela a fúria que seria melhor canalizada sobre o seu marido, demonstrando assim também a sua impotência. Mas a mais conseguida demonstração dessa violência sobre Rosa está condensada em: “one severe flogging succeeded another, till the tenderly-nurtured slave fainted under the cruel infliction, which was rendered doubly dangerous by the delicate state of her health. Maternal pains came on prematurely, and she died a few hours after.” Child consegue em poucas palavras demonstrar a violência sobre uma mulher grávida, que resulta primeiro num aborto e depois na morte.
Frederic é encontrado morto com o seu próprio punhal no coração. Como Child demonstra, a violência do proprietário de escravos volta-se contra ele mesmo. A violência é a verdadeira essência da escravatura. O escravo Mars é Marte, deus da guerra. A escravatura destrói a irmandade entre os Homens, destrói a irmandade entre irmãos como Frederic, George, Marion e Rosa; e destrói qualquer solidariedade que possa haver entre os escravos.
Só George com a sua confissão repõe alguma dignidade. Mas esse seu acto é tornado anónimo. “His very name was left unmentioned; he was only Mr. Dalcho's slave!” E como anónimo e não relatado pelos jornais o seu acto, e o seu ser tornam-se não-existentes. Só o narrador consegue repor a verdade. É essa verdade possível que Child procura quando subintitula Slavery's Pleasant Homes como A Faithful Sketch.

Sunday, 11 May 2008

Treino de Comentário (trabalho escrito)

Para quem não foi à última aula, deixo aqui a citação que peço para comentarem, como treino para uma das perguntas do teste final da disciplina, em que deverão relacionar vários dos textos discutidos em aula (aqui, pede-se referência a pelo menos três)

"Today transcendentalism is still celebrated as the optimistic center of the American imagination, te source of its new language and vision. (...) [But] transcendentalists always questioned their literary heritage. (...) Along with Poe, they required obscurity. (...) This was more than a willful obscurity, for it gave America what it lacked and sorely needed, a truly critical literature."
Richard Ruland e Malcolm Bradbury, From Puritanism to Postmodernism: A History of American Literature, Harmondwsorth, Penguin, 1991, 144.

Francisco Luís Parreira, sobre Bartleby



Francisco Luís Parreira respondeu por escrito à maioria das perguntas colocadas aqui pela Madalena.

Grande generosidade na matéria para reflexão.


1- Se Bartleby representa o abandono, a pobreza, etc., e Brodsky o oportunismo, o capitalismo, etc., que papel é desempenhado por Drummond? A sua aparente generosidade tornam-no próximo de Bartleby, mas os seus receios, fugas e cautelas vendem-no ao lado oposto.

No que diz respeito ao texto de Melville, não estou seguro de que Bartleby represente isso que diz. O carácter representativo de uma personagem é aliás um canto de sereia a que Bartleby, como o astucioso Ulisses, resiste — para grande desespero nosso — amarrado aos seus mastros: o biombo, a parede que contempla, a sua inexorável falta de preferência, etc. Em certa medida, essa sua resistência a deixar-se determinar transporta-se para as outras personagens, cuja determinação é subordinada à dele. É precisamente porque Bartleby nada representa que as outras personagens (que são, por si, cheias de particularidades) também não podem fazê-lo (e nesse sentido não há lado oposto). Nessa medida, elas assemelham-se ao leitor. Ao agirem, elas mostram-se como um leitor perante um texto numa língua que não percebem, mas a respeito do qual lhes foi pedido que tomassem uma decisão. Na minha versão, quis pensar Bartleby como um poço para dentro do qual deitamos moedas e do qual esperamos que nos diga a fortuna, ou para o qual gritamos à espera de um eco. Mas este poço é especial, nada quer saber dos nossos actos mágicos e não nos devolve imagem do que somos. Este modelo permitia-me acrescentar as moedas que quisesse. Uma delas é, por assim dizer, a moeda da modernidade ou, melhor, da sua crítica, na versão nietzschiana. Brodsky fala com Bartleby como se já tivesse lido a novela, como se já soubesse que ele é um herói moderno e tentasse decifrar em que consiste esse atributo.


2. Que peso simbólico tem a parede física e abstracta de Wall Street? Traduz a impotência de Bartleby? O biombo assume no texto alguma relevância. A que se deve isso? E o busto de Cícero? Por que se apresenta tão querido a Drummond, quando tanto contrasta com o seu modo de vida?

No meu texto, o busto de Cícero e os arranha-céus negam-se reciprocamente, por assim dizer. É o que está em causa no discurso de Brodsky. Brodsky vê na modernidade um desafio existencial superior ao da dignitas ou da moderação romanas, justamente pelo carácter de risco supremo que ela envolve. Nova Iorque é agora a maior cidade romana ou grega do mundo e, portanto, uma projecção do desafio humano numa dimensão que as categorias clássicas já não podem conter. Enquanto que a dignitas de Drummond é reservada e gravitacional (não creio que o busto contraste com ele), a lógica de Brodsky é ascencional: de um dia para o outro pode-se ocupar um escritório a vários andares do chão. A ascensão de Brodsky satisfaz-se no próprio movimento, a respeito do qual ele pensa que, mesmo sem objectivo humano e meramente instrumental, acabará por produzir efeitos superiores ao da Graça divina ou da herança clássica, em parte porque o risco da perdição total é maior e a queda não tem amparo possível; em parte, porque a todo o instante é possível hoje cancelar o passado, e pode-se mesmo acordar na posse de fortunas inesperadas.

O que Bartleby vê na parede para mim é um mistério. Brodsky diz que ele vê um fungo e chama-lhe a atenção para o facto de, com isso, estar a perder o espectáculo da outra janela, o espectáculo de Wall Street para o qual dá vontade de mergulhar (mergulhar de arranha-céus foi lido na altura da estreia como uma alusão ao 11 de Setembro, mas o texto foi escrito antes disso e a imagem subliminar era para mim a dos suicidas que se precipitaram para a rua durante o crash bolsista de 1929). Acredito que Brodsky veja nesse mergulho uma beleza superior à das colunas dóricas. O biombo teria decerto algum significado se pudessemos ver o que está atrás dele. Isto nunca acontecia na encenação do meu texto. Estava lá, aliás, para que nada fosse visto.

4. Qual a importância do carcereiro e por que lhe é atribuido um discurso mais eloquente do que o habitual?

Tem a certeza de que a eloquência não é habitual nos carcereiros? Eu não consigo pensar em profissões mais eloquentes do que a de carcereiro (e Robinson acha que um simples advogado não pode sequer sonhar metade dessa eloquência). A eloquência de Robinson (ou da profissão) provém da seguinte circunstância: nela se mostra que existe um vínculo entre o carácter e o destino e que, em última análise, não há destinos em inocência. É este saber taciturno que Robinson carrega consigo. Pessoas assim ou vão para filósofos ou para carcereiros. Por outro lado, repare que um carcereiro é a justificação de um escrivão. Administra no espaço as distinções que um escrivão estabelece num papel. Consagra-o, tal como um sacerdote consagra os mandamentos escritos. O seu maior receio, evidentemente, é o dos falsificadores (ou seja, dos contra-escrivães). Ele sabe que a Lei é uma repartição do carácter pelo espaço (sob a forma de celas) e, portanto, a forma do destino. Ele acha que todos têm direito a esse destino e está disposto a guardar as chaves. Porém, compreendo a sua pergunta, mas há que reconhecer que a premissa de um escrivão que prefere não fazer nada e de um patrão incapaz de despedi-lo liberta-nos de todo o escrúpulo realista.


5. O que representa Turkey com as suas manifestções de raiva no final? Qual o papel de cada escrivão? Por que lhe atribui menos importância que o texto original
?

Atribuo-lhe uma importância proporcional ao tempo dramatúrgico de que dispunha. Para isso, tive que sacrificar o outro escrivão, Nipples. A opção por novas personagens teve esse efeito de cancelar ou mitigar a presença das originais. A raiva de Turkey: essa questão remete para uma interpretação do texto de Melville, uma vez que essa raiva está na fonte. Da minha parte, quis introduzir um elemento cómico na história e achei que um Turkey indignado cumpria esse papel (em congruência, penso, com o que faz Melville). Um cómico é sempre aquele que não sabe que as coisas deixaram de existir. Por isso tropeça em objectos que não estão lá ou colhe flores de um campo impossível. Turkey é cómico porque a sua indignação tem um teor corporativo: um escrivão, diz ele, não trabalha assim. Porém, o objecto da sua raiva já deixou de existir: o escrivão Bartleby já lá não está e não estamos já a falar de trabalho.

6. Por que segue um caminho diferente para o desfecho da história? Qual o sentido de Bartleby não morrer na prisão e, em vez disso, voltar para o escritório?

Ele não volta para o escritório. A última cena é cronologicamente anterior às restantes. Coloquei-a no final para que, numa palavra, não houvesse fim. E, como sabe, não há fim: de outro modo não estaríamos aqui a falar. Segundo algumas versões, bate-se sempre com a cabeça contra o vidro.

8. Por que escolheu interpretar a personagem de Brodsky? De que forma se apresentou isso como um desafio?

Não escolhi. A definição do elenco é habitualmente uma atribuição do encenador. O encenador da minha peça terá considerado que no conjunto de actores com que a companhia trabalhava (ou punha a hipótese de vir a trabalhar) nenhum satisfazia as exigências do papel, em particular as que se prendiam com a aparência física. Quando me foi proposto que assegurasse esta personagem, fiquei a saber que correspondo fisicamente a uma certa percepção comum do capitalista emergente, o que, em princípio, deveria deixar-me tranquilo. O desafio que isso representou é semelhante ao de quem abraça uma nova profissão. Embora já tivesse alguma (escassa) experiência como encenador, só ocasionalmente, e em ambiente semi-amador, fora actor. Oiço dizer que autores que representam os próprios textos não se distinguem, geralmente, como exemplos da grande arte da representação. Eu não terei fugido à regra. É evidente que quando se escreve para teatro já se antecipa para cada personagem uma dicção, ou mais precisamente um ductus específico. Terei sido fiel a essa primeira concepção estritamente literária da personagem, o que terá dado consistência ao meu trabalho, mas essa constância, precisamente, é tudo aquilo que um actor deve abominar.

Sunday, 4 May 2008

"A Psalm of Life", de Longfellow, em tradução de António Simões


O QUE O CORAÇÃO DO JOVEM DISSE AO SALMISTA

Não me digas em tom lamuriento:
"A vida não é mais que um sonho vão!"
Está morto o que vive sonolento,
O que parecem as coisas nunca são.

A vida é real! A vida é séria!
E não é na sepultura que acaba;
"Tu és pó que ao pó depois regressa."
Não foi dito acerca de a alma.

Nem a alegria nem a tristeza
Como um fim ou caminho se entende;
Mas agir pra que o amanhã nos veja
Ir mais além que o dia presente.

A arte fica e o Tempo passa,
E nossos corações, firmes embora,
Batem, quais tambores, em surdina,
Marchas fúnebres para a sepultura.

No campo de batalha que se estende,
Vasto, pelo mundo e pela Vida,
Não sejas como o gado, obediente!
Sê um herói na luta assumida.

Não creias no Futuro, 'inda que belo!
Passado morto enterre os mortos seus!
Age, age no Presente com desvelo!
Dentro, o coração, e ao alto, Deus!

Vidas de grandes homens vamos lembrando
Pra fazer das nossas sublime exemplo,
Partir, atrás de nós sempre deixando
As pegadas na areia do tempo.

Pegadas que talvez um outro, então,
Da vida navegando o duro mar,
Ao vê-las, esse naufragado irmão,
Nova coragem irá encontrar.

Ergamo-nos, pois, prontos prà acção,
Com uma coragem que tudo enfrente;
E em constante realização,
Aprender a agir, ser paciente.

(in Antologia de Poesia Anglo-Americana de Chaucer a Dylan Thomas, Porto, Campo das Letras, 2002)

Bartleby, o Escrivão (post de Pedro Roque)


O conto “Bartleby the Scrivener “ de Herman Melville conta a história de um jovem empregado que inicia a sua carreira num escritório de Advogados em Wall Street, Nova Iorque.
Esta história foi adaptada ao teatro por Francisco Luís Parreira na sua peça “ A História do Escrivão Bartleby”.
A história deste jovem bizarro é contada pelo Advogado Sénior desse escritório, que é personagem ao mesmo tempo que é narrador.
O local onde se desenrola a trama é denominado “The good old office”. No escritório trabalham, além do narrador, dois escrivães mais velhos, Nippers e Turkey, e ainda o funcionário forense e jovem escrivão Ginger Nut. Os nomes são alcunhas que os escrivães atribuíram entre si, alusivos aos seus estranhos hábitos.
Quando contrata um novo escrivão, Bartleby, o narrador espera que ele de alguma forma colmate os hábitos irregulares dos outros funcionários. O narrador crê nas capacidades deste jovem. Estabelece logo com ele uma estranha ligação de cumplicidade e confiança. No entanto, esta relação modifica-se. Sendo certo que Bartleby era inicialmente um trabalhador incansável, trabalhando dia e noite, nas cópias legais de documentos que lhe eram exigidas, começa por recusar trabalhar em equipa, usando a expressão “I would prefer not to”. O jovem escrivão recusa-se a conferir em conjunto com o narrador e os três outros escrivães os quadriplicados a si entregues. Se inicialmente esta recusa foi limitada às tarefas de correcção do trabalho e trabalho em equipa em breve se estende a toda a actividade.
Perante a contínua recusa de Bartleby em fazer seja o que for, o narrador vai cedendo ao empregado. Existe um sentimento de pena e confrangimento por parte do narrador, sobretudo vincado quando este se apercebe que Bartleby passou a viver no escritorio. Assim, o narrador, parece nutrir receio e admiração pelo seu estagiário Bartleby, não conseguindo confrontá-lo. A determinada altura, começa ele mesmo a usar a palavra “prefer” e a reparar de forma insistente sempre que os escrivães com quem trabalha pronunciam essa palavra. Invertem-se assim os papeis de empregador e empregado numa estranha ligação entre estes dois personagens.
Mais tarde, Bartleby acaba por ser preso, e mesmo nesse local é visitado pelo narrador, que então toma conhecimento que Bartleby anteriormente tinha trabalhado numa secção de correios denominada “ Dead Letters Office”. O final da história termina com o narrador finalmente em posse das razões que justificavam os estranhos comportamentos de Bartleby. As suas considerações finais são quase um desabafo. O conto termina com as exclamações: “ Oh Bartleby! Oh Humanity!”.

O vector que gostaria de focar centra-se na relação estabelecida entre os empregados Turkey, Nippers e Ginger Nut e o jovem Bartleby.
Abstraindo da relação do narrador com o empregado, tendo apenas em atenção as relações entre os vários empregados do escritório e Bartleby, convém primeiramente caracterizar os seus colegas escrivães.
Turkey é um escrivão de avançada idade. Apenas trabalha bem nas manhãs, período em que se encontra sóbrio, já que o resto do tempo se encontra bêbado. É de origem inglesa, usa um fato untado, não estimando a sua imagem exterior. Parece resultar da opinião do narrador que ele é aplicado, sincero. Admite, no entanto, que, com o passar do tempo, e os cabelos grisalhos lhe trouxeram a necessidade de “animar” as suas tardes, considerando que mesmo os borrões que deixa nas páginas acabam por ser honrosos.
Nippers, por seu lado, é um jovem de aparência enfezada de cerca de vinte e cinco anos, que exibe algumas barbas e que tem um ar de pirata. Nas manhãs sofre de indigestões terríveis, apenas podendo concentrar-se no seu trabalho no período da tarde. Essa irritabilidade torna-o pouco produtivo, travando uma luta com a mesa onde trabalha, não se conseguindo concentrar-se e produzir. O narrador não aprecia a sua “ambição desmedida” e caracteriza-o como impaciente, impulsivo e excessivamente voluntarioso. Ele é aplicado e exigente, sendo, além de escrivão, advogado de pequenas causas criminais.
Ginger Nut é um jovem de doze anos. Adquire essa alcunha porque os outros escrivães lhe entregam dinheiro para comprar bolos, sendo parte da sua actividade no escritório. O seu pai, um carroceiro, tinha-o entregue aos cuidados do narrador para se tornar um respeitável advogado. Ginger pensava que toda a ciência jurídica se encontrava numa casca de noz… Tem, por isso, ainda uma visão romântica e ingénua da actividade que lhe foi destinada.

A relação dos escrivães com Bartleby:

Turkey pensa que o narrador tem razão em exigir explicações de Bartleby pelos seus estranhos comportamentos. Ainda assim, é indulgente com o jovem de acordo com a sua maneira de ver as coisas. No entanto, existe uma evolução na opinião de Turkey acerca de Bartleby. Existem pelo menos três momentos em que a relação entre Bartleby e os escrivães é focada. A primeira situação, que penso talvez tenha ocorrido na manhã, corresponde à primeira recusa em rever as cópias. Nessa ocasião, como salientei, Turkey parece ser indulgente. Na segunda confrontação, que ocorre na tarde (e isto tem importância determinante porque Turkey está claramente sob o efeito do álcool), este ameaça com os punhos cerrados esmurrar a cara de Bartleby. A terceira situação surge numa conversa entre o narrador e Turkey, em que ambos começam a usar a expressão “prefer”. Nessa ocasião, Turkey parece apreensivo e preocupado com Bartleby, sugerindo que “ a quart of good ale” poderia ajudar o jovem Bartleby. A sua relação com Bartleby sofre, conforme exposto, evoluções contraditórias.

Nippers é mais pragmático e afirma de forma peremptória que Bartleby deveria ser posto fora do escritório por não preencher minimamente as qualificações que são exigidas a um estagiário. Na primeira ocasião (pela manhã), chega mesmo a ser violento na forma como defende essa opinião. Na segunda ocasião, pelo contrário, é extremamente tolerante com os comportamentos de Bartleby dizendo mesmo que provavelmente “may only be a passing whim”. Estávamos na parte da tarde o que pode explicar também a agressividade de Turkey e a passividade de Nippers. Também este personagem altera a sua relação com Bartleby de acordo com o período do dia.

Ginger nut simpatiza com o jovem Bartelby, embora igualmente entenda que o mesmo é um pouco lunático e muito estranho. Na segunda ocasião, Ginger Nut não parece estar presente. No entanto, dos três escrivães é aquele que tem maior consistência na sua opinião acerca de Bartleby, que parece considerar uma pessoa estranha.

Bartleby e a influência provocada na literatura, em particular a peça “História do Escrivão Bartleby”:

Esta obra é comparável com “Oliver Twist” de Charles Dickens, fazendo-nos reflectir nos malefícios da sociedade moderna. O condicionamento da natureza humana pelas convenções sociais, e essencialmente pela Revolução Industrial, num período de grande mudança, é, nesta história, o aspecto determinante.
Relativamente á peça de Francisco Luís Parreira, surgem algumas diferenças relevantes. Introduz-se mais diálogo e Bartleby é mais activo. Surge com maior destaque a alusão ao choque entre a produtividade e a individualidade, que vinca a crítica ao capitalismo no personagem de Brodsky.
No entanto, a natureza própria do limbo é a de Bartleby, a mais anti-trágica das figuras de Melville, aquele que "preferia não", contra o qual se desfaz, simultaneamente com a razão divina, toda a razão humana.
A obra pode ser visto sobre vários vectores. Acredita-se que o conto de Melville tenha influenciado a “corrente literária do Não” e a “Literatura do Absurdo”, tipo de literatura que usa o absurdo como técnica. O absurdo é a técnica literária que consiste em introduzir elementos sem coerência num marco lógico previsível, mas incompatível com o elemento novo. É uma característica recorrente no humor, que se torna desconcertante no chamado "Teatro do absurdo".

(imagem: um Departamento de Cartas Perdidas, em Washington, c. 1920)