Sunday, 4 May 2008
Bartleby, o Escrivão (post de Pedro Roque)
O conto “Bartleby the Scrivener “ de Herman Melville conta a história de um jovem empregado que inicia a sua carreira num escritório de Advogados em Wall Street, Nova Iorque.
Esta história foi adaptada ao teatro por Francisco Luís Parreira na sua peça “ A História do Escrivão Bartleby”.
A história deste jovem bizarro é contada pelo Advogado Sénior desse escritório, que é personagem ao mesmo tempo que é narrador.
O local onde se desenrola a trama é denominado “The good old office”. No escritório trabalham, além do narrador, dois escrivães mais velhos, Nippers e Turkey, e ainda o funcionário forense e jovem escrivão Ginger Nut. Os nomes são alcunhas que os escrivães atribuíram entre si, alusivos aos seus estranhos hábitos.
Quando contrata um novo escrivão, Bartleby, o narrador espera que ele de alguma forma colmate os hábitos irregulares dos outros funcionários. O narrador crê nas capacidades deste jovem. Estabelece logo com ele uma estranha ligação de cumplicidade e confiança. No entanto, esta relação modifica-se. Sendo certo que Bartleby era inicialmente um trabalhador incansável, trabalhando dia e noite, nas cópias legais de documentos que lhe eram exigidas, começa por recusar trabalhar em equipa, usando a expressão “I would prefer not to”. O jovem escrivão recusa-se a conferir em conjunto com o narrador e os três outros escrivães os quadriplicados a si entregues. Se inicialmente esta recusa foi limitada às tarefas de correcção do trabalho e trabalho em equipa em breve se estende a toda a actividade.
Perante a contínua recusa de Bartleby em fazer seja o que for, o narrador vai cedendo ao empregado. Existe um sentimento de pena e confrangimento por parte do narrador, sobretudo vincado quando este se apercebe que Bartleby passou a viver no escritorio. Assim, o narrador, parece nutrir receio e admiração pelo seu estagiário Bartleby, não conseguindo confrontá-lo. A determinada altura, começa ele mesmo a usar a palavra “prefer” e a reparar de forma insistente sempre que os escrivães com quem trabalha pronunciam essa palavra. Invertem-se assim os papeis de empregador e empregado numa estranha ligação entre estes dois personagens.
Mais tarde, Bartleby acaba por ser preso, e mesmo nesse local é visitado pelo narrador, que então toma conhecimento que Bartleby anteriormente tinha trabalhado numa secção de correios denominada “ Dead Letters Office”. O final da história termina com o narrador finalmente em posse das razões que justificavam os estranhos comportamentos de Bartleby. As suas considerações finais são quase um desabafo. O conto termina com as exclamações: “ Oh Bartleby! Oh Humanity!”.
O vector que gostaria de focar centra-se na relação estabelecida entre os empregados Turkey, Nippers e Ginger Nut e o jovem Bartleby.
Abstraindo da relação do narrador com o empregado, tendo apenas em atenção as relações entre os vários empregados do escritório e Bartleby, convém primeiramente caracterizar os seus colegas escrivães.
Turkey é um escrivão de avançada idade. Apenas trabalha bem nas manhãs, período em que se encontra sóbrio, já que o resto do tempo se encontra bêbado. É de origem inglesa, usa um fato untado, não estimando a sua imagem exterior. Parece resultar da opinião do narrador que ele é aplicado, sincero. Admite, no entanto, que, com o passar do tempo, e os cabelos grisalhos lhe trouxeram a necessidade de “animar” as suas tardes, considerando que mesmo os borrões que deixa nas páginas acabam por ser honrosos.
Nippers, por seu lado, é um jovem de aparência enfezada de cerca de vinte e cinco anos, que exibe algumas barbas e que tem um ar de pirata. Nas manhãs sofre de indigestões terríveis, apenas podendo concentrar-se no seu trabalho no período da tarde. Essa irritabilidade torna-o pouco produtivo, travando uma luta com a mesa onde trabalha, não se conseguindo concentrar-se e produzir. O narrador não aprecia a sua “ambição desmedida” e caracteriza-o como impaciente, impulsivo e excessivamente voluntarioso. Ele é aplicado e exigente, sendo, além de escrivão, advogado de pequenas causas criminais.
Ginger Nut é um jovem de doze anos. Adquire essa alcunha porque os outros escrivães lhe entregam dinheiro para comprar bolos, sendo parte da sua actividade no escritório. O seu pai, um carroceiro, tinha-o entregue aos cuidados do narrador para se tornar um respeitável advogado. Ginger pensava que toda a ciência jurídica se encontrava numa casca de noz… Tem, por isso, ainda uma visão romântica e ingénua da actividade que lhe foi destinada.
A relação dos escrivães com Bartleby:
Turkey pensa que o narrador tem razão em exigir explicações de Bartleby pelos seus estranhos comportamentos. Ainda assim, é indulgente com o jovem de acordo com a sua maneira de ver as coisas. No entanto, existe uma evolução na opinião de Turkey acerca de Bartleby. Existem pelo menos três momentos em que a relação entre Bartleby e os escrivães é focada. A primeira situação, que penso talvez tenha ocorrido na manhã, corresponde à primeira recusa em rever as cópias. Nessa ocasião, como salientei, Turkey parece ser indulgente. Na segunda confrontação, que ocorre na tarde (e isto tem importância determinante porque Turkey está claramente sob o efeito do álcool), este ameaça com os punhos cerrados esmurrar a cara de Bartleby. A terceira situação surge numa conversa entre o narrador e Turkey, em que ambos começam a usar a expressão “prefer”. Nessa ocasião, Turkey parece apreensivo e preocupado com Bartleby, sugerindo que “ a quart of good ale” poderia ajudar o jovem Bartleby. A sua relação com Bartleby sofre, conforme exposto, evoluções contraditórias.
Nippers é mais pragmático e afirma de forma peremptória que Bartleby deveria ser posto fora do escritório por não preencher minimamente as qualificações que são exigidas a um estagiário. Na primeira ocasião (pela manhã), chega mesmo a ser violento na forma como defende essa opinião. Na segunda ocasião, pelo contrário, é extremamente tolerante com os comportamentos de Bartleby dizendo mesmo que provavelmente “may only be a passing whim”. Estávamos na parte da tarde o que pode explicar também a agressividade de Turkey e a passividade de Nippers. Também este personagem altera a sua relação com Bartleby de acordo com o período do dia.
Ginger nut simpatiza com o jovem Bartelby, embora igualmente entenda que o mesmo é um pouco lunático e muito estranho. Na segunda ocasião, Ginger Nut não parece estar presente. No entanto, dos três escrivães é aquele que tem maior consistência na sua opinião acerca de Bartleby, que parece considerar uma pessoa estranha.
Bartleby e a influência provocada na literatura, em particular a peça “História do Escrivão Bartleby”:
Esta obra é comparável com “Oliver Twist” de Charles Dickens, fazendo-nos reflectir nos malefícios da sociedade moderna. O condicionamento da natureza humana pelas convenções sociais, e essencialmente pela Revolução Industrial, num período de grande mudança, é, nesta história, o aspecto determinante.
Relativamente á peça de Francisco Luís Parreira, surgem algumas diferenças relevantes. Introduz-se mais diálogo e Bartleby é mais activo. Surge com maior destaque a alusão ao choque entre a produtividade e a individualidade, que vinca a crítica ao capitalismo no personagem de Brodsky.
No entanto, a natureza própria do limbo é a de Bartleby, a mais anti-trágica das figuras de Melville, aquele que "preferia não", contra o qual se desfaz, simultaneamente com a razão divina, toda a razão humana.
A obra pode ser visto sobre vários vectores. Acredita-se que o conto de Melville tenha influenciado a “corrente literária do Não” e a “Literatura do Absurdo”, tipo de literatura que usa o absurdo como técnica. O absurdo é a técnica literária que consiste em introduzir elementos sem coerência num marco lógico previsível, mas incompatível com o elemento novo. É uma característica recorrente no humor, que se torna desconcertante no chamado "Teatro do absurdo".
(imagem: um Departamento de Cartas Perdidas, em Washington, c. 1920)
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