Sunday, 28 April 2013

Sonho num Labirinto (texto criativo de José Reis e Vicente Sisternes)

 
Como a história tem vindo sucessivamente a provar, a mudança, tal como muitas coisas da nossa vida, tem sempre origem em ideais pioneiros, arriscados e muitas vezes cravados fundo na mente de quem se atreve a tê-los. São estes ideais que nos dão força e coragem para sonhar, ambicionar e, se a tenacidade existir, alcançar os objectivos propostos pelo nosso eu.

Sem excepcão, foi também assim que a vida do jovem Américo se desenrolou durante os primeiros anos da sua vida. Alimentado desde a nascença por ideais de liberdade da terrível opressão que esmagava a terra dos seus antepassados, naquela altura colónias na posse de outrém, nutria então uma sede de vingança para com o império britânico e o seu rei George III.

Desde que, em 1607, os britânicos tinham fundado a primeira povoação permanente de colonos britânicos em Jamestown (estado de Virgínia), o assentamento anglo-saxão na costa atlântica do continente foi constante - explicara-lhe a sua mãe, sempre dona dos melhores conselhos e informações. Estas novas colónias estavam dotadas de uma grande autonomia em assuntos internos, mas sujeitas ao domínio da Grã-Bretanha e, portanto, ao domínio do seu rei.

Os desejos de revolução da sua mãe rapidamente transitaram para o jovem Américo, que cada vez mais estava decidido a viajar à capital, com o propósito de tentar abrir os olhos dos seus concidadãos, para que não permitissem mais aquela terrivel situação.

No dia em que se sentiu maior e mais senhor de si e do seu destino, aconteceu. Não sabia se com a batalha de Lexington, dos primeiros tiros em Concord ou da invasão falhada ao Canadá. Um dos motivos terá sido certamente a grande pedra que erguera usando exclusivamente a força... A força dos seus braços, a que era agora suficiente para erguer os punhos de uma nação. O percurso até Nova Iorque foi demorado e digno de muitos desvios.

A lei Declaratória, aprovada pelo Parlamento Brirtânico em 1766, estabelecia que as colónias estavam subordinadas à Grã-Bretanha e que o Parlamento podia aprovar qualquer lei quando bem o entendesse - recordava os ensinamentos da sua  mãe e professores, ao trilhar os passos da revolução. As condições impostas por Londres provocaram tensões entre britânicos e americanos, cada vez mais constantes e ininterruptas.

Ao chegar ao seu destino, foi recebido por tropas britânicas, que ocuparam as duas maiores cidades americanas da época, Boston e Nova Iorque, que sublinhavam a presença inglesa em solo americano. Despejaram ácido nos ouvidos e nas palavras dos seus pais, mas nada envenenou Américo. Firme, contudo, manteve unidas as esperanças dos crentes, com os quais acabou por se impor contra os que a ele se impunham.

O rei da Inglaterra continuou a submeter o povo americano, cobrando uma série de impostos sobre o açúcar, o vinho, o café, o potássio, a seda, o ferro e os documentos  de transferência de bens e propriedades (Stamp Act), facto que desagradou muito à população americana, que considerava que era tratada injustamente. Para além disso, foram aprovadas leis que impunham impostos nas importações por parte das colónias em artigos como o papel, o cristal, o chumbo, as tintas e o chá; e, se facilitaram os tributos alfandegários, foi só para garantir que as vendas se cumprissem.

E novamente Américo interferiu e até em Boston a sua presença foi sentida. Como os colonos americanos não tinham representação no Parlamento do Reino Unido consideraram que estes impostos eram injustos. “Não aos impostos sem representação” tornou-se o grito de guerra dos colonos americanos. 

A tensão foi-se acomulando até que, em Dezembro de 1773, vários colonos, encabeçados por Samuel Adams e disfarçados de índios americanos, subiram a bordo de três embarcações e lançaram ao mar os barris com o chá em sinal de protesto -  a chamada Boston Tea Party. O chá que caía ao mar era apenas a premonição do império gigante que agora começava a ruir.

Mas foi em Filadélfia que a verdadeira revolução aconteceu. No dia 10 de Maio de 1775, os representantes das treze colónias britânicas reuniram-se com a finalidade de unir forças e ideias para se oporem ao rei inglês. Foi Américo, na pele de George Washington e com auxílio de Thomas Jefferson, que corajosamente se atreveu a entrar no terrível labirinto.

Era este o maravilhoso labirinto de um futuro desconhecido, livre, sem a influência inglesa. Ziguezagues incríveis entre os quais facilmente alguém se perderia entre incertezas, percursos impossíveis de prever, becos sem saída e rotundas circundantes. No centro, vivia o monstro desfigurado, o rosto deturpado da opressão britânica imposta aos colonos.

Para não se perder entre as suas labirínticas opções, Américo requereu a todos os 13 estados que assinassem uma declaração da independência, concordada e assinada por todos os intervenientes. Graças aos seus ideais de liberdade e revolta, Américo manteve-se tenaz, e, sem se perder, soube perfeitamente por onde ir para chegar ao centro do labirinto. Aí, deparou-se com o minotauro, a besta desumana que era opressão, terror e fome de subjugar. Após longo confronto, Américo acabou por derrotar o domínio inglês, decapitando a criatura e deitando-a por terra.

Os ingleses foram expulsos das grandes planícies americanas e Américo regressou do labirinto emergindo para uma terra livre e independente. Os seus pais vergaram-se perante ele e deixaram-no assumir o poder do seu próprio destino e, eventualmente, de grande parte do mundo livre, até aos dias de hoje, com o novo nome de Estados Unidos da América.

A sua mãe, contudo, nunca a ele se reuniu. Morrera, segundo acabou por se saber uns tempos depois, antes de poder fazer a viagem para se unir de novo ao seu filho. Sem os seus conselhos e extrema motivação, que em tão novo lhe tinham dado coragem e perspicácia para superar as adversidades que se lhe colocavam, acabou por perder o seu rumo. Os seus ideais de outrora perderam-se pelo caminho, esquecidos, e os homens fortes não foram substituídos. Era livre agora, sim, para cometer os seus próprios erros e arrastar o resto do mundo para um amanhã incerto e inadequado.

Acabou por se aperceber, demasiado tarde, que afinal nunca tinha saído do labirinto, desde que tinha morto o minotauro. Com terror, reparou que os ideais com que se havia guiado estavam rasgados a seus pés e que estava escuro, à sua volta.
 
Tinha-se perdido.

Monday, 22 April 2013

Resposta de Lenore ao Sr. Poe, Poeta (por Margarida Ferreira)


Caro Edgar Allan Poe,
Devo dizer que já li e reli várias vezes o seu poema “The Raven” e, de certa forma, há algumas coisas que me desagradam. No entanto, confesso que a forma de construção do poema está bastante interessante, o que acaba por emanar um sentimento de pura atracção para qualquer leitor de bons poemas. O que, do meu ponto de vista, está muito engraçado são as terminações de palavras que rimam na perfeição. A última estrofe é a que mais me cativa por duas razões: primeiro, porque indica o culminar do sofrimento sentido ao longo de todo o poema; segundo, porque a sua leitura tem uma melodia muito bonita, com todas as rimas nela presentes, mais precisamente o facto de rimar uma palavra interna (como flitting) com outra em posição final de verso (como sitting). Este argumento pode parecer suspeito, uma vez que estou a dizê-lo conforme a minha opinião pessoal, mas tenho a certeza que há muitos outros entendidos em poesia que pensam o mesmo que eu.
Passando às críticas, acho uma grande falta de respeito a ideia que acaba por transmitir com este mesmo poema. A mim parece-me que o Poe é um homem de poucos sentimentos. Gostaria que houvesse alguém (ou algo, num mundo fantasiado como em “The Raven”) que o incomodasse tão brutamente aquando da perda de alguém que lhe é querido? Com certeza que já presenciou uma morte, visto que todos à sua volta parecem estar amaldiçoados… O luto é algo que, por vezes, faz-se melhor sem a companhia de ninguém. O luto é algo que implica reflexão anterior. No seu poema, a ideia que o leitor retém é a de pressão. Pressão em querer que a pessoa sofra em vez de seguir em frente. Tenho a certeza que o senhor Thomas Jefferson não estaria nada de acordo com esta sua perspectiva maliciosa e cruel. No seu texto “Declaration of the Representatives of the USA”, ele refere o tema da felicidade como sendo algo a ser atingido por toda e qualquer pessoa. Apesar de ele o afirmar baseando-se noutros factos, penso que o objectivo é o mesmo: atingir a felicidade pura e plena. Ora, “The Raven” não está de acordo com isto! O símbolo da morte (o corvo) só causa mais dor ao sujeito poético. Não o permite continuar a sua vida, mas sim cavar um vazio ainda mais fundo no seu coração. Esta é então a primeira crítica a este seu trabalho. Pense nisto, se lhe interessar.
A segundo crítica que tenho a fazer diz respeito à sua escolha do animal (o corvo). Já ouviu falar de Ralph Waldo Emerson? Se sim, então há grandes possibilidades de conhecer o seu magnifico trabalho. Bem, este escritor americano foi sem dúvida um dos que mais valorizou a vida, a natureza e o presente. Ele afirmava que o lado bom da vida era viver no momento presente e não no passado ou sem acções concebidas no passado. Afirmava também que ele apenas se interessava pelos vivos (“my business is with the living”). Quanto a isto, nada parece estar errado no seu poema, certo? Poe escolheu um animal vivo para ser a fonte emissora da palavra Nevermore. O problema, neste caso, é que há uma grande convenção social de que este pequeno animal representa a morte e/ou seja sinal de maus presságios, concedendo-lhe assim um significado mais obscuro que a realidade. Para além do mais, o senhor introduziu-o num poema que aborda o tema da morte. Dito isto, penso que Emerson é um dos exemplos que Poe poderia ter seguido, visto que a emoção que iria transmitir no poema seria uma bastante mais feliz. O próprio leitor sentiria o mesmo.
Aqui termino a carta com a minha apreciação ao poema “The Raven”. Aparte do que referi como críticas, o poema está muito bem construído.
           Lenore.

Monday, 15 April 2013

"Melville" by W. H. Auden

Towards the end he sailed into an extraordinary
     mildness,
And anchored in his home and reached his wife
And rode within the harbour of her hand,
And went across each morning to an office
As though his occupation were another island.

Goodness existed: that was the new knowledge
His terror had to blow itself quite out
To let him see it; but it was the gale had blown him
Paste the Cape Harn of sensible success
Which cries: 'This rock is Eden. Shipwreck here.'
But deafened him with thunder and confused with
    lightning:
--The maniac hero hunting like a jewel
The rare ambiguous monster that had maimed his sex,
The unexplained survivor breaking off the nightmare--
All that was intricate and false; the truth was simple.

Evil is unspectacular and always human,
And shares our bed and eats at our own table,
And we are introduced to Goodness every day.
Even in drawing-rooms among a crowd of faults;
he has a name like Billy and is almost perfect
But wears a stammer like decoration:
And every time they meet the same thing has to happen;
It is the Evil that is helpless like a lover
And has to pick a quarrel and succeeds,
And both are openly destroyed before our eyes.

For now he was awake and knew
No one is ever spared except in dreams;
But there was something else the nightmare had distorted--
Even the punishment was human and a form of love:
The howling storm had been his father's presence
And all the time he had been carried on his father's breast.

Who now had set him gently down and left him.
He stood upon the narrow balcony and listened:
And all the stars above him sang as in his childhood
'All, all is vanity,' but it was not the same;
For now the words descended like the calm of mountains--
--Nathaniel had been shy because his love was selfish--
But now he cried in exultation and surrender
'The Godhead is broken like bread. We are the pieces.'

And sat down at his desk and wrote a story.


Henry D. Thoreau writes to E. A. Poe about "The Raven" (by André Gomes)


My fellow man of transcendental burden,
 I tear away at the cockles of my heart concerning myself over your troubled existence, for I do not share your desire to be suffered and rattled out of your sanity. I wallow briefly over your pain for I live only to feel one with nature, the woods and its denizens. There is no greater or more sublime state of mind than the one that comes from immersing yourself in the wild.
            I share with you, however, my humane compassion; and as unfortunate as it can be that I don’t have the power of resurrection, so that I might assist in the revival of your beloved Lenore whose angels have baptized; I assure you – and let this be of some consolation to you – the blissful companionship of the Walden bridkin will permeate and induce with serene tranquility the soul of the most bled out individual. I invite you, thus, to attempt a life amidst the shores and bark of New England. Let the splendid and translucent purity of the Concord waters wash away your grief. There are no ravens here that seek torment and agony in the presence of man.

Yours faithfully,

Henry David Thoreau – naturalist and inhabitant of the world.

Lenore replies to "The Raven"'s Lyrical Subject (by Loic Bagnoud)

Do not cry my love… Do not suffer…
Do not lose hope…

T’was not my goal to make your heart sting so and it saddens me to see the clash of realities that goes within your mind…
I heard your cries of anguish, and of pain, and of sorrow, and what you conceived is not necessarily true.

A man’s fate can put his soul on the darkest of paths, away from any form of enlightenment and rational thought, the same thoughts most of you try to achieve. It was the mere apparition of the raven that made you lose control, to let your feelings of anguish and pain you tried to rationalize come out the way they did.

It was not my intent to harm you; only to enlighten you… Such truths may seem hard at first but perhaps a lie can earn powerful rewards.

The Raven’s purpose was to release the aura that so many men lose sight of or try to regain even if for a brief time. The very chains you built to keep your mind in place needed to be unlocked and if a shadow must be cast above your soul, even if it hurts for a while it will release you in the end…

But maybe I’m wrong…
Maybe some men prefer the quieter path of simplicity and logic without any form of suffering or emotion.

Emotion liberates the self and awakens energies that have been sleeping for far too long.
I can only say I did what I thought was correct and I hope you can find hope in this solemn letter.

Do not lose it…

I await for you in paradise

Forever yours

Lenore

(illustration by Gustave Doré, 1884)