Sunday, 20 May 2012

A educação moral de Huck e a "sivilização" (trabalho de Bárbara Carvalho)

 
The Adventures of Huckleberry Finn (1884) de Mark Twain (1835-1910) trata-se de uma história que relata, na primeira pessoa, o desenvolvimento de um menino que viveu durante o período pré-Guerra Colonial norte-americana, na comunidade sulista e esclavagista de St. Petersburgh. Huck Finn é um rapaz pobre, iletrado, praticamente órfão, que desconfia consideravelmente dos valores morais e dos preceitos da sociedade que o trata como um “excluído” (outcast) e não consegue protegê-lo dos abusos a que é constantemente sujeito.

O que apreende da sociedade em que vive e a relação de profunda amizade e respeito que desenvolve com o escravo fugitivo Jim, levam-no a questionar muitos dos ensinamentos que recebeu, especialmentesobre raça e religião. A luta de Huck pela sua liberdade, procurando escapar das “garras” da sociedade que o quer “sivilizar”, compara-se à luta pela libertação dos negros escravos. Esta almejada liberdade, pela qual luta ao fugir de seu pai e percorrer o rio Mississípi numa jangada, com o escravo Jim, permite-lhe tomar suas próprias decisões sem qualquer restrição ou enviesamento por parte de uma sociedade que ele considera hipócrita, iniciando-se então todo um processo de auto-descoberta e aprendizagem. Mesmo sem ter frequentado a escola, Huck apresenta-se no fim (?) da sua história como um menino que aprendeu a “ler” o mundo que o rodeia – aprendeu a diferenciar o bom e o mau, o certo e o errado, o amigo e o inimigo. Frequentemente forçado a recorrer ao próprio engenho para sobreviver, e sendo um “excluído” da sociedade, ele procura chegar às suas próprias conclusões acerca de determinados assuntos importantes (em especial, a escravatura) as quais muitas vezes contradizem normas socialmente aceites. Assim, temos uma aventura pejada de mentiras e charlatanice, engodos e tramóias que ilustram este “sobreviver” alternativo. Por diversas vezes, Huck chega à conclusão que mentir pode ser algo ‘bom’, dependendo do objectivo, especialmente se este for salvar a vida de um amigo. Twain recorre a este artificio literário para ilustrar a ambiguidade moral da época, que Huck identifica e reconhece procurando, consequentemente, uma via alternativa, seguindo a sua própria consciência e agindo de acordo o que lhe parece mais correto. A tematização da superstição e das crendices populares serve também para explorar alternativas aos ensinamentos socialmente aceites.
O grande dilema moral desta história dá-se quando Huck tem de decidir entre “ir para o inferno” e não trair a amizade de Jim, entregando-o à sua legítima “proprietária”, sendo que acaba por se decidir pela primeira opção, pondo a vida e o bem-estar de Jim acima dos seus próprios interesses pessoais – alcançando, desta forma, um altruísmo advogado em teoria pela sociedade que o rodeava, mas que não era verdadeiramente colocado em prática. Esse é o momento em que Huck quebra todos os laços com o mundo que o rodeia e decide escapar a todas a tentativas de “civilização”. Este corte simboliza muito mais do que simplesmente não querer tomar banho ou ir à escola.
Na verdade, a sociedade caricaturizada por Twain não é mais do que um conjunto de preceitos e regras degradados que desafiam o bom senso e a lógica – uma sociedade em que os direitos de um homem (branco) sobre a sua propriedade (escravo/filho), estão acima do bem-estar desta e de todos os direitos naturais inalienáveis a todo o ser humano. Uma sociedade onde até os que aparentam ser boas pessoas, seguidoras dos mais nobres e elevados valores, revelam ser esclavagistas preconceituosos. Huck considera que não quer fazer parte dessa camisa-de-forças da hipocrisia à qual a sociedade o quer conformar. Prefere ser livre, física, moral e conscientemente.

3 comments:

Sara Santos, 44280 said...

O contraste entre a sociedade e o indivíduo está muito bem ilustrado em Huckleberry Finn, no sentido em que se podem observar as várias inconsistências do que é comummente aceite como o certo e o errado, por oposição à verdadeira sabedoria individual, desprendida da opinião geral.
Huck surge como um jovem que, apesar do conflito interno que parece sofrer em determinados momentos da obra entre aquilo que deve fazer (pois é considerado o correcto pela convenção social) e o que o seu instinto lhe diz que deve fazer (pois é mais humano e lógico do que o que lhe é dito), geralmente parece seguro das suas intenções e acções, tendo a consciência de que nem tudo é o que parece e de que quase tudo o que lhe dizem é mentira ou incoerente. Sendo um “outcast”, Huck é capaz de melhor analisar a sociedade hipócrita e iludida que o rodeia, observando a forte discrepância existente entre a moral de igualdade e fraternidade que pregam e a escravatura, derradeiro símbolo da desigualdade e discriminação, que praticam. Assim, Huck apercebe-se da falsidade, mais ou menos ingénua, das pessoas que afirmam ser civilizadoras, e que querem mesmo transformar o rapaz numa pessoa respeitável, mas que, no final das contas, privam inúmeros seres humanos da sua liberdade e felicidade.
É interessante o facto de Twain ter escolhido uma criança para protagonizar este reconhecimento, já que a criança era geralmente vista como um ser intelectual e moralmente inferior que necessitava de orientação adulta (ou não fossem as mulheres e os negros comparados a crianças!). Aqui, pelo contrário, a criança é o ser superior, capaz de ver o que os outros não vêem, ou não querem ver. De tal modo, Twain chama à atenção para as irregularidades morais da sociedade, tão evidentes que até uma criança as identifica.

Helena said...

I liked Barbara's presentation because the "facts" were well explained and the power point was well compiled. Mark Twain was very popular, he had many professions before he started writing, professions that later helped him write his books (novels). He always included his experiences in his novels for example: In Tom Sawyer he makes recollections of himself has a child. In Huckleberry Finn writes the Mississippi and the steamboat that sails in it, in 1856 he had sailed in one aiding the captain,and then already he told a lot of stories. He was a great story teller, but later in life due to many circumstances he became bitter.

Mariana Mouzinho said...

Pegando, por um lado, nas decisões morais que Huck toma contra as regras impostas pela sociedade (nomeadamente na questão da propriedade privada e dos direitos — ou ausência deles — dos escravos), de que a Bárbara fala, mas também no que a Sara diz sobre as crianças precisarem de orientação adulta e Huck aparentar tomar as suas decisões sozinho, queria explorar também uma outra interpretação que é a da influência/orientação de Jim nas decisões tomadas por Huck.

Embora Huck parta à aventura aparentemente sozinho e na companhia de alguém que, segundo a perspectiva de Huck é ele que tem de proteger e não vice-versa, a razão pela qual Huck vai contra as normas sociais e toma uma série de decisões segundo o que lhe parece mais correcto é porque Jim, mesmo que indirectamente, lhe indica o caminho. Jim funciona, ao longo de todo o romance, como bússula moral da narrativa. Huck, ao ter Jim como exemplo, aprende a seguir o exemplo do seu amigo, que funciona também como uma figura paternal. A reacção que Jim tem quando Huck mente para o salvar pela primeira vez serve como impulsionadora de todas as decisões de Huck a partir desse momento. O facto de Jim considerar Huck seu amigo e, mais que isso, o único homem branco que alguma vez o tratou assim, faz com que Huck passe a tomar todas as decisões de uma forma mais critica e ponderada e que é a instrospecção e não as normas sociais que predomina.

A consistência moral de Jim ao longo de toda a obra fazem com que Huck questione a moralidade socialmente aceite e a forma como os negros são tratados, apenas pela sua cor de pele. Huck acaba por reconhecer Jim como um homem com um grande coração e uma grande bondade e sente um enorme alívio quando se apercebe de que há quem partilha desta sua opinião. E é esta bondade de Jim que faz com que Huck tome as decisões que toma e se ponha numa posição contra a sociedade branca sulista.