Entrei em casa apressada, depois de um dia longo e penoso de faculdade. Ansiosa por me recostar entre as minhas múltiplas almofadas, corri para o meu pequeno abrigo. Chegando ao quarto deparo-me com a minha gata. Lá jazia ela no meu lugar favorito, entre as fofas e altas almofadas, enquanto apanhava banhos de sol e se esticava ao som de Chopin, proveniente do escritório do meu pai. Tive pena de a enxotar. O seu pêlo cintilante - um misto de castanhos e laranja - contrastava com o meu agastado humor. Resplandecia à luz brilhante do sol. Não pude evitar sorrir perante tal cenário. Amoroso, quase mágico, de uma gata que se alongava felicíssima por receber os últimos raios de sol. Deitei-me ao pé dela. Mal me viu, recebeu-me com um rasgado miado de afecto, e com um ronronar irresistível, capaz de derreter qualquer coração amargurado. Ficámos assim, frente a frente. O que estaria ela a pensar? Pensaria de todo? Murmurei-lhe baixinho: “gostas de mim?”. Ela olhou-me com os seus grandes olhos amarelos. Bom, quem cala consente, pensei eu: “eu também gosto muito de ti…”. Espreguiçou-se novamente, rebolando para junto do meu peito. O seu ronronar, juntamente com a música de Chopin, criavam em mim um misto enorme de emoções. Acreditei que aquele momento não fosse durar muito. Porque nunca nada na minha vida durou muito. Principalmente as coisas boas. As más, por outro lado, duram mais do que aquilo que seria desejável para alguém sensível e fraco como eu. Perguntei à minha gata malhada se algum dia me iria abandonar. Ela não respondeu, virou a cara para os últimos resquícios de sol, que se punha lá longe. Repeti a pergunta, enquanto lhe afagava a testa pintada de amarelo. Aí respondeu-me com uma lambidela no nariz. Comovi-me com aquele gesto, talvez aquela gata realmente me conseguisse perceber. Talvez fosse ela a única a nunca me abandonar. Seria de facto a única a estar sempre do meu lado, apesar de tudo o que pudesse vir a acontecer? Apesar de todos os meus defeitos? Apesar de todas as mágoas que fui causando a todos ao longo da minha vida? Naquele momento, acreditei que sim. Apertei-a com todo o meu amor. Encaixámo-nos as duas e assim ficámos, como uma só, até ao anoitecer.
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4 comments:
É interessante ver como um poema pode ter múltiplas interpretações e suscitar emoções e produções criativas tão distintas. Embora o cenário e o animal escolhido em pouco se assemelhem aos apresentados por Poe em "The Raven", é possível identificar alguns pontos em comum, nomeadamente:
- o (mono)diálogo entre o narrador e a gata (o narrador fala, mas a gata não responde, o que se pode associar à nulidade da resposta “Nevermore”, constantemente reiterada pelo corvo);
- a sugestão da possível racionalidade do animal;
- a evidente melancolia e tristeza do narrador, que enforma todo o texto (neste caso, a tristeza deve-se a um sentimento de falta pessoal, enquanto em “The Raven” a tristeza é causada pela perda de um amor; porém, a solidão está patente nos dois textos).
Um aspecto que acho particularmente interessante neste texto é a nota positiva no final, que contrasta muito com o desespero e desgraça da estrofe final de Poe: enquanto “The Raven” sugere uma certa exaustão, pela posição do sujeito poético prostrado no chão, em “A Gata Malhada” predomina um sentimento de paz, tranquilidade e aceitação.
I quite enjoyed this creative response to "The Raven" by Edgar Allan Poe. The image chosen as an illustration to the text is also quite powerful given the fact that the cat and the raven are both black in colour which is naturally associated to somber things, but also the fact that since medieval times or even before, these two, dark-coloured animals have been associated to superstition, so i think the link between both texts is evident. The sad tone that both texts have seem to be sprinkled with a touch of doubt and even hope that these animals will reveal a long-searched for and desired answer to a troubling question."A Gata Malhada" seems to evoke an image of tranquiity which comes with a silent but strong presence which both the raven and the black cat seem to represent.
Penso que o texto criativo “A Gata Malhada” está muito bem concretizado tendo por base “The Raven” de Edgar Allan Poe, o que permite estabelecer um paralelismo entre as duas obras.
Por um lado, em ambos os textos existe um animal e a dúvida sobre a sua racionalidade (na primeira obra, a personagem questiona-se sobre se a sua gata pensa efectivamente, enquanto que na segunda, o protagonista da história questiona-se acerca da palavra “nevermore” ser a única palavra que eventualmente o corvo aprendeu ou se, por outro lado, não seria mesmo aquela a resposta a todas as suas perguntas). Para além disso, o animal é visto como o elemento que acompanha a personagem, procurando evitar que a mesma permaneça na solidão, embora as suas questões existenciais e os seus dilemas pessoais permaneçam, o que conduz ao sofrimento e cansaço, sendo este o terceiro ponto comum em ambos os textos.
Uma diferença evidente entre os dois textos é a cor dos dois animais. A gata é malhada, parecendo ter uma relação mais próxima com a personagem do que o corvo, e este último é preto, cor que intensifica o carácter melancólico e obscuro do ambiente em que o sujeito se encontra e do seu próprio estado de espírito, sofrido e de autotortura (“sombra” do real não deixa o sujeito, pois este permitiu que a realidade fosse distorcida pela sua imaginação), além de que é uma cor também associada à morte, neste caso concreto à perda da sua amada, Lenore, acontecimento este que o atormenta).
No que diz respeito à apresentação oral, penso que foi igualmente bem sucedida, desta vez com a análise específica do texto “The Raven”, na qual foi dada especial relevância às figuras de estilo utilizadas, à construção do poema e sua musicalidade, bem como a alguns simbolismos.
Joana Sousa - n.º 44173
At the beginning of the presentation the class got to hear the poem, the visual was also very important and very strong images were shown. Edgar Allan Poe was a great author, poet and literary critic; he was part of the Romantic period. Poe’s best known fiction works are Gothic, his main theme is death and morning, macabre and horror situations in nocturnal scenery. This is why he chose the raven, considered an evil, black feathered bird, a bird of ill omen and of interest to creators of myths and legends
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